domingo, 3 de outubro de 2010

Da Sugestão à Hipnose e à Psicanálise

III. 2 - Da Sugestão à Hipnose e à Psicanálise
Considerando o ponto médio de nosso percurso o período em que Freud se encontra debruçado sobre a hipnose, temos que partir de seus trabalhos com Charcot e Breuer. Na "História do Movimento Psicanalítico", Freud assume a responsabilidade de ser a Psicanálise uma obra sua, mas reverencia, particularmente, o Dr. Joseph Breuer como aquele que "dera vida à psicanálise"... "esta arte (a Psicanálise) não foi iniciada por mim, mas por Breuer."
3.2.1 - Charcot, Mesmer e Braid
    Jean Martin Charcot (1825-1893), neurologista, nasceu em Paris e teve toda sua carreira de clínico, pesquisador e de docente desenvolvida no hospital de Salpêtrière. É aí que começa seu trabalho de observação de semiologia diferencial da histeria e epilepsia. Em 1870, foi encarregado de uma sala especial que a administração do hospital reservava para um número bastante elevado de enfermas acometidas por convulsões. Algumas eram epilépticas e, outras, histéricas que, segundo Charcot (e outros), por suas tendências miméticas tinham aprendido a imitar as crises epilépticas. Para ele, histeria e epilepsia eram como irmãs, e nos dois casos se poderia sustentar que as perturbações funcionais de origem cerebral se espalhavam por simpatia por todo o organismo. A aproximação de Charcot com o hipnotismo é controvertida. Para Ellenberger, ela se deu em 1878 e, provavelmente, sob a influência de Charles Richet. Já, segundo E. Trillat, ela se dá em 1876, quando Charcot é nomeado para compor uma comissão que tem como objetivo por à prova "os fatos metaloscópicos" descobertos por Burg. De início, Charcot permanece cético; não acredita na ação dos metais. Burg trabalhava em seu setor no hospital e experimentava seu método com as histéricas. Seu método consistia na aplicação de cataplasmas metálicos de sua concepção Å armaduras, brochas e medalhas Å no corpo das pacientes. Os primeiros resultados são, para Charcot, absolutamente convincentes: a aplicação metálica faz desaparecer as manifestações histéricas, quaisquer que elas sejam. A pedido do próprio Charcot, esse método passa a ser experimentado com pacientes atingidos por lesões cerebrais, com resultados encorajadores. Infelizmente para Burg, a comissão constrói a hipótese de que a ação curativa das aplicações metálicas estaria relacionada a ações elétricas determinadas pelo contato do metal com a superfície cutânea. Com essa hipótese e com a ajuda de um galvanômetro, o método de Burg é substituído pela eletroterapia que, mais manejável, permite os mesmos efeitos. No entanto, Charcot observara que, nessa nova terapêutica, o retorno da sensibilidade do lado doente, é acompanhado de uma anestesia do outro lado da linha mediana do corpo. A esse fenômeno, ele vai dar o nome de transferência de sensibilidade. Ao contrário de se desinteressar pelo método elétrico, Charcot faz um retorno maior no tempo, vai em direção ao magnetismo animal e, portanto, a Franz Anton Mesmer. Franz Anton Mesmer nasceu em 1734 em Iznang. Aos 32 anos de idade, obteve em Ulena o título de doutor com a tese: "Dissertação físico-médica sobre a influencia dos planetas". Há controvérsias hoje, mas consta que Mesmer havia seinspirado em Paracelsus, em Van Helmont e em William Maxwel. Esses autores valorizavam o lado mágico e oculto da arte médica Å "ars curandis". Entre 1773 e 1774, Mesmer começou a utilizar imãs nos tratamentos de seus pacientes a partir de sua primeira experiência com a senhorita Österlin, uma jovem de 28 anos. "Há dois anos ela apresentava crises convulsivas acompanhadas de febre, vômitos, e delírio melancólico e maníaco", crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia. Percebendo a periodicidade das crises, às quais atribui um caráter astronômico, procura modificar seu curso. "Eu planejei estabelecer em seu corpo uma espécie de maré artificial com a ajuda do imã e de forma a reproduzir artificialmente as revoluções periódicas do fluxo e do refluxo." Após tê-la medicado com infusões à base de ferro, ele prendeu um imã em cada pé da paciente e um outro, em forma de coração, sobre o peito. Imediatamente a paciente experimentou uma dor abrasadora e dilacerante que percorreu todo o corpo seguindo os eixos das peças imantadas. Tanto a paciente como os que assistiam a esse terrivel espetáculo, horrorizavam-se e, apesar da reação da assistência, Mesmer não hesitou em acrescentar mais dois outros irmãs aos pés. Então a doente "sentiu descer com impetuosidade as dores que tinham atormentado as partes superiores." Pouco a pouco, todos os sintomas desapareceram. Mesmer havia presenciado uma eletroconvulsoterapia, sem o saber; a eletricidade só vai ser popularizada como recurso terapêutico na medicina oficial por Charcot. É interessante notar que, tanto Mesmer quanto Charcot, ambos observaram a mesma "transferência de sensibilidade" nessas crises convulsivas que provocavam em seus pacientes. Porém Charcot já contava com os experimentos pioneiros deFaraday, além do legado mesmo de Mesmer. No entanto é importante ressaltar que a eletroterapia contemporânea, tão usada em inúmeros tratamentos, não tem, nem de longe, o potencial terapêutico da crise mesmérica. Descartados os fluídos e o magnetismo pessoal, fica também de fora, o valor da relação transferencial. Com a água, jogou-se fora também a criança. O grande obstáculo para Mesmer, no prosseguimento de suas investigações, foi posto pela comunidade científica de seu tempo. Sem outra teoria contemporânea que pudesse dar sustentação a suas idéias e seu empiricismo, Mesmer ficava politicamente muito vulnerável. Sua teoria tinha como fonte de inspiração a "bruxaria" da Renascença. Há controvérsias quanto aos autores em quem Mesmer tenha se baseado para elaborar sua teoria, mas não restam dúvidas sobre um deles, em especial: Paracelsus. A teoria do magnetismo animal é claramente herdeira do "magnetismo". Sabemos hoje que o que Mesmer e outros praticavam era, simplesmente, a sugestão hipnótica, mas os efeitos produzidos eram semelhantes aos de modos de produção relacionados com a magia. Conseqüentemente, o vínculo satânico os condenava. O resultado terapêutico positivo não contava. Curava-se, mas a cura era pela mão do diabo. Então, condene-se! Paradoxalmente, essa retomada da "caça às bruxas" ocorria em pleno século XVIII, o Século do Iluminismo. Tivesse Freud empregado o "magnetismo da persuasão" um século antes, sua teoria da Psicanálise não teria vingado. Mas as idéias de Mesmer foram difundidas pela prática de dois de seus discípulos, os irmãos Puységur. Um discípulo do marquês de Puységur, Charles Poyen, levou o magnetismo animal para os Estados Unidos. Uma demonstração pública em Maine, Nova Inglaterra (1836), convence Phineas Quimbydo valor da cura mental. Suas investigações o levam a abandonar as causas elétricas por poderes exclusivamente mentais. Mesmer largara o magneto e Quimby parara de "mesmerizar".(Alexander e Selesnick, 1966). Em 1862, Quimby conheceu uma professora de 40 anos de idade que "transformou sua fé em dólares e suas demonstrações em culto." Mary Baker, curada que fora pelo marido de diversos sintomas histéricos, empenhou-se em um movimento chamado "Christian Science", que abrangia a fé e a cura, sustentando que a ilusão é uma doença e que a crença no Senhor destrói essa ilusão. A prática da "Christian Science" desenvolve-se através do final do século XIX e pelo século XX, em paradoxal sincronia com os espetaculares avanços da ciência médica." (Alexander e Selesnick, op.cit). A difusão de tal movimento, julgado pela ordem vigente como irracional, vem testemunhar, mais uma vez, o arraigado desejo de magia e fé pelo homem. Esse desejo advém de um impulso algo irracional, onde as partes envolvidas conjugam uma vontade única emitida de um Outro lugar. É o poder da sugestão. Está aí constituida a Mente de Grupo (ou mente massificada) de Le Bon (1920), que opera segundo a sugestão convincente e "hipnotizadora" de um lider (ou de uma idéia). Freud (1921) se apoia nos conceitos de Le Bon para descrever as bases da sua psicologia de grupo, também chamada de psicologia das massas. Os ensinamentos de Le Bon também servirão de apoio ao nosso conceito de PseudoEgo, que será desenvolvido mais adiante (Capítulo 5). Outros seguidores do marquês de Puységur foram ativos na Inglaterra e Alemanha. Na Inglaterra, John Elliotson (1791-1868), conhecido por ter sido um dos primeiros a usar o estetoscópio, liderou um movimento para tornar aceitas pelas sociedades médicas uma combinação das técnicas de frenologia e do magnetismo animal. Elliotson empregou pela primeira vez o mesmerismo para diminuir a dor durante cirurgias e, devido a essa prática radical, foi demitido da presidência da Real Sociedade Médica e Cirúrgica. Na Índia, com o emprego do mesmerismo, James Esdaile (1808-1859), executou mais de duzentas operações sem dor em sentenciados hindús. O interesse por essa prática diminuiu com o emprego de gases anestésicos na década de 1840. Entretanto, os médicos já começavam a ver que o mesmerismo era mais que fraude ou mera imaginação.(Notas retiradas de Alexander e Selesnich, op. cit., pp. 182-183). Em 1843, James Braid, um cirurgião de Manchester, Inglaterra, publica um artigo "Neurypnology or the Rationale of the Nervous System", onde sustenta que não havia nada de mágico nos estados de transe; estes eram causados pelo excessivo relaxamento muscular depois de prolongado período de concentração e conseqüente esgotamento físico. Braid não explica bem o que era o transe, mas consegue dissipar um pouco a atmosfera que o charlatanismo havia gerado em torno do mesmerismo. O mesmerismo tornara-se neuripnose. A seguir, Braid o relaciona com o estado do sono e muda seu nome para Hipnose. Estava criado um termo tranquilizadoramente científico. Como um batismo redentor, Satanás é expulso e o conceito é abençoado. Estava quase terminado o caminho para que Freud o pudesse trilhar sem o risco da excomunhão pela catedral da Ciência. Na medida que avança o século XIX, na mesma instituição onde Pinel tirara as correntes dos pacientes, a Salpêtrière, a hipnose torna-se uma disciplina séria de investigação científica sob a influência e credencial de Jean MarieCharcot . Estava pronto o caminho para Freud.
    3.2.2 - Freud, Breuer e a Hipnose
    Em 1881, Freud inicia sua carreira como neurologista. Seu interesse pela hipnose e aspectos psicológicos da medicina, em particular sobre a histeria, principia em Outubro de 1885, quando vai a Paris pela primeira vez com uma bolsa de viagem. O motivo dessa viagem, foi o de ter verificado que os métodos de tratamento prevalescentes, particularmente a eletroterapia de Erb, mostravam-se de pouco valor para seus pacientes, a maioria formada de neuróticos, e em Paris, encontrava-se Jean Marie Charcot, o mais importante neurologista da época. Charcot considerava seriamente os sintomas histéricos como verdadeiros, apesar da prática habitual que consistia em interpretá-los como meramente "imaginários". Freud observou criteriosamente os sintomas histéricos, passando a aceitar a evidência de que eles também se manifestavam em homens, o que contrariava a idéia tradicional de ser essa doença exclusivamente feminina. Charcot conseguia, empregando transes hipnóticos, produzir em alguns de seus pacientes histéricos os mesmos sintomas que eles adquiriam no curso da doença; embora Charcot sustentasse que a histeria era causada por uma fraqueza básica no sistema nervoso, ainda assim demonstrou que os sintomas histéricos de paralisia, tremores e analgesias podiam ser produzidos e eliminados por técnicas psicológicas. "Essas investigações de Charcot reafirmam a teoria psicogênica da histeria que Thomas Sydenham havia propostoduzentos anos antes." (Alexander e Selesnick, 1966). Freud retorna a Viena em fins de Fevereiro de 1886, tornando-se um militante das idéias de Charcot sobre hipnose e sua relação com a histeria. Essas idéas só vão encontrar eco na pessoa de seu colega mais velho, o Dr. Joseph Breuer, com quem vai manter uma estreita relação profissional e de amizade pelos próximos dez anos. O primeiro contato de Freud com a hipnose se dera quatro anos antes de sua viagem a Paris, quando Breuer lhe contara sobre uma certa observação clínica. Em 1880, Breuer havia tratado de uma jovem, Anna O., que apresentava os sintomas clássicos da histeria: paralisia dos membros, anestesias e perturbações da visão e da fala. Esses sintomas haviam aparecido pela primeira vez quando ela tratava de seu pai enfermo. Breuer observara que numa ocasião a moça, ao provocar hipnose espontânea em si própria, relatou com pormenores as circunstâncias que envolviam o desenvolvimento de um de seus sintomas. Breuer passou a tratá-la com sessões regulares de hipnose, encorajando-a a falar Å sob transe Å das experiências que coincidiam com seus sintomas, técnica que a própria paciente chamou de cura falante. A mémoria lembrada era acompanhada de violenta expressão emocional (abreações) e sucedida pelo desaparecimento dos sintomas correspondentes. Não fosse pela sua associação com Freud, o caso de Anna O. teria permanecido um episódio isolado na prática de Breuer. Entretanto, Freud reconhece aí o berço da Psicanálise Å a teoria da conversão de Breuer Å cujo princípio fundamental estabelecia que os sintomas dos histéricos estavam relacionados ao chamado trauma Å cenas impressionantes, porém esquecidas de suas vidas. A terapêutica fundada nesse princípio, consistia em fazer com que o paciente se recordassede tais cenas e as reproduzisse sob hipnose, liberando assim o afeto reprimido (catarse). A teoria, daí deduzida, concluia que esses sintomas corresponderiam ao emprego anormal de magnitudes de excitação não derivadas (conversões). Diz ainda que o método hipnótico lhe aparece como uma alternativa melhor que a terapêutica elétrica da época. Em 1892, Breuer e Freud reconhecem que a possibilidade de cura desse tipo de terapia era reconhecida por Delboeuf e por Binet, conforme citações:
      "Pode-se assim compreender como o hipnotizador auxilia na cura; ele faz com que o paciente retorne à condição na qual a doença se manifesta, e luta com palavras a mesma doença à medida que ela reaparece" (Le magnetisme animal. Delboeuf, 1889). "...pode-se perceber que, através desse artifício mental, que faz com que o paciente retorne àquele momento quando o sintoma primeiramente se manifestou, o paciente se encontre mais receptivo à sugestão curativa"(Les altérations de la personalité. Binet, 1892). Em seu interessante livro, l'Automatisme psychologique (1899), Janet descreve uma cura de uma jovem histérica por um procedimento igual ao nosso" (in "The Psychic Mechanism of Historical Phenomena. Preliminary communication" (publicação original, em alemão, Breuer u. Freud, 1892), com anotações de Freud em edições posteriores).
    Devido a influência exercida por Charcot, de 1886 a 1889, Freud e Breuer continuaram seus trabalhos com hipnose catártica. A primeira divergência entre os dois surgiu numa questão relativa ao mecanismo psíquico da histeria. Breuer inclinava-se para uma teoria que ainda podia ser qualificada de filosófica. Queria explicar a dissociação anímica dos histéricos pela falta de intercomunicação dos diversos estados psíquicos de consciência. Breuer cria então a teoria dosestados hipnóides, cujos efeitos ficavam como que encapsulados, como corpos estranhos não assimilados na consciência de vigília. Freud opõe à teoria dos estados hipnóides, sua teoria da defesa. "Todavia, fiz uma tentativa efêmera de conciliar ambos os mecanismos", diz Freud (pág. 229). Para Freud, "orientado menos cientificamente"... (pág. 229), a dissociação psíquica era o resultado de um processo de repulsa, a que deu o nome de defesa e, depois, o de repressão. Contudo, a divergência que vai separá-los definitivamente, é relativa à etiologia sexual das neuroses. Ao constatar que alguns pacientes não podiam ser hipnotizados, Freud achou que sua técnica de hipnose precisava de aperfeiçoamento. Em 1889, Freud vai para Nancy, na França, onde a hipnose estava sendo usada em experimentação terapêutica por Ambrose-Auguste Liébeault e Hyppolite-Ambrose Bernheim. Este último fazia experiências com sugestão pós-hipnótica, nas quais os pacientes hipnotizados recebiam ordens para serem executadas depois que despertassem. Após esses estudos, Freud ficou decididamente convencido do poder da motivação psicológica não-consciente e percebeu que a sugestão era o fundamento psicológico da hipnose. É importante que nos alonguemos um pouco sobre a mencionada sugestão pós-hipnótica de Bernheim, pois esse método foi amplamente empregado por Freud, visto ele próprio ter admitido sua incapacidade de sempre induzir a hipnose em seus pacientes histéricos. Essa sua deficiência, por ele reconhecida, parece ter sido a principal causa que o fez buscar um método alternativo para o tratamento catártico, e não a reincidência dos sintomas, conforme relatado por alguns autores. As citações abaixo, quando entre aspas, são palavras de Freud, retiradas da tradução inglesa (1952, Great Books, E.B., Vol. 54) da obra Studien über Hysterie (Breuer und Freud, 1895): Pode-se perceber que, para Freud, o conceito de estado hipnótico representava a fase mais acentuada da hipnose Å o estado de sonambulismo. Freud pensava que as recordações reprimidas, que acarretariam os efeitos de abreações, só poderiam ocorrer em tal estado Å o sonambúlico. Para sua surpresa, ele verificou que essas memórias, não acessíveis normalmente à consciência, poderiam ser lembradas durante estados outros que não o de sonambulismo. Vejamos o caso de Lucie R.(Caso III), tratado no final de1892:
      "Ao tentar hipnotizar a senhorita Lucie R., ela não conseguia atingir o estado de sonambulismo. Tive então de deixar o sonambulismo de lado, e a análise se processou em um estado não muito diferente do normal" (p. 32).
    Logo a seguir, Freud relata que a paciente se encontrava...
      "...calma, em um grau de relativa sugestibilidade, com os olhos cerrados, as feições tranqüilas e os membros imóveis"(p. 34).
    O próprio Freud admite que Lucie R. teria alcançado, não o estado de sono profundo, mas um "grau suave de hipnose" (p. 32). A análise pôde se processar nesse estado, que Freud se refere como de relativa sugestibilidade, estado esse que é chamado pelos hipnotistas modernos de estado hipnoidal. Graças aos ensinamentos da escola de Nancy, Freud aprende que "lembranças esquecidas" poderiam retornar à memória do paciente através de sugestão advinda de um comando do seu médico. Vai então recorrer a outro artifício terapêutico para induzir essa sugestão - a pressão das mãos sobre a fronte do paciente.Vejamos como Freud relata essadescoberta:
      "Eu mesmo presenciei Bernheim demonstrar que as lembranças provocadas pelo sonambulismo eram, apenas, manifestadamente, esquecidas no estado de vigília, e que elas poderiam ser reproduzidas por insistência verbal do médico, acompanhada de pressão das mãos, o que provocava um outro estado de consciência. Por exemplo, ele provocou em uma paciente mulher, em estado de sonambulismo, uma alucinação negativa de que ele não estava mais presente. A seguir, tentou de todas as formas se fazer notado, mas sem sucesso. Após ter despertado, ele perguntou se a paciente se lembrava do que ele havia feito durante todo o tempo em que ela pensava que ele não estava presente. Ela replicou que não sabia de nada, mas Bernheim insistiu que ela iria se recordar de tudo, pressionando a fronte da paciente, e Alas!, ela finalmente começa a relatar todos os acontecimentos que haviam ocorrido durante o estado sonambúlico e que, ostensivamente, ela de nada lembrava no estado de vigília." (p. 32) "Essa impressionante e instrutiva experência passou a ser meu modelo. Eu decidi supor que meus pacientes sabiam de tudo que pudesse ter um significado patogênico, e que só era necessário forçá-los à lembrança. Sempre que eu atingia um ponto em que minhas perguntas "Å Desde quando você tem esses sintomas?", eram respondidas como um "Å Realmente, eu não sei", eu procedia da seguinte forma: eu colocava uma das mãos na fronte do paciente, ou pressionava sua cabeça com ambas as mãos e dizia: "Å Através da pressão de minhas mãos você vai se recordar; no momento em que eu retirar essa pressão você verá algo defronte de sí, ou alguma coisa surgirá em sua mente que você deve notar; é isso que você está procurando. Muito bem, o que você viu, ou o que veio em sua mente?" "Ao aplicar esse método pela primeira vez, fiquei surpreso por obter tudo que precisava. Posso mesmo dizer que ele jamais me falhou; ele sempre me apontou o caminho a seguir, permitindo que a análise se processasse sem o sonambulismo." (p. 33)
    Freud percebe que tem em mãos uma poderosa ferramenta para driblar o senso crítico consciente de seus pacientes. São inúmeros os casos em que faz uso da pressão das mãos: uma jovem com neurose de ansiedade (p. 33); o caso de Elizabeth von R.(p. 38), e diversos outros relatados a partir da página 66, onde Freud dá vários exemplos para demonstrar o sucesso de tal procedimento.
      "Esse método me ensinou bastante e em todas as vezes auxiliou na obtenção de meus objetivos...Para explicar sua eficácia, poderia mesmo pensar que se trata de uma certa "momentânea e induzida hipnose", mas os mecanismos da hipnose são tão enigmáticos para mim que eu preferiria não recorrer a eles para uma explicação." (p. 65)
    Não obstante, Freud está recorrendo ao mecanismo da hipnose para explicar essa desconcentração consciente. Entretanto, seria ilusão pensarmos que uma simples referência ao termo hipnose resultasse em uma explicação do fenômeno, pois o mecanismo do processo era desconhecido na época. O que Freud percebia era um paralelismo entre dois estados semelhantes, em que os efeitos de dois modos de produção diferentes se correlacionavam. Sempre que tentava penetrar mais fundo no processo, Freud se maravilhava ao se deparar com um mistério, senão vejamos:
      "Devido aos resultados obtidos através da pressão das mãos, tem-se uma ilusão da presença de uma inteligência superior fora da consciência do paciente, a qual sistematicamente armazena uma grande quantidade de material psíquico para um propósito significativo, e que encontrou uma forma engenhosa de retornar ao consciente. Eu presumo, entretanto que essa segunda e inconsciente inteligência é apenas aparente" (p. 67)
    (Podemos ver que, sem o notar, Freud já estava se deparando com manifestações e mecanismos que iriam, mais tarde, ser englobados no seu conceito maior de Inconsciente. Em 1895, Freud empregava o termo inconsciente, com inicial minúscula, de forma não sistemática.) É preciso abrir um parêntese para esclarecer a evolução do pensamento de Freud quanto aos conceitos que ele imprimia, em diferentes épocas, sobre os têrmos hipnose e sugestão. Em 1904 (p. 108), Freud menciona não praticar hipnotismo desde 1896, a não ser em casos excepcionais. Até então, era implícito ou explícito em Freud o paralelismo entre as noções de estado hipnótico e estado sonambúlico, e o termo hipnotismo permanecia indissociável do termo sugestão, e vice-versa. Quando passou a mencionar que a associação livre parecia ser uma forma substitutiva do método hipnótico, apresentando a grande vantagem de que, através dela, todo o processo passava pela consciência, pela elaboração, Freud não se dava conta, ainda, do fator sugestionabilidade de seu novo método, fator esse presente em todo o processo psicanalítico. Nesses tempos, sugestão implicava quase sempre proibição hipnótica. Freud aprende que pode prescindir da proibição hipnótica como forma privilegiada da intervenção e se coloca contra a "técnica da sugestão" (p. 108), cujo efeitos, por não serem duradouros, resultavam em reincidências freqüentes dos sintomas. Freud ainda não diferençava entre sua "técnica da sugestão" e a noção maior de sugestão p.p.d. Passado mais de uma década, vamos ouvir Freud reconciliando termos que lhe eram antagônicos. 3.2.3 - Da Transferência à Sugestão "...E nós temos que admitir que apenas abandonamos a hipnose em nossos métodos, para descobrir novamente a sugestão, agora sob a forma de transferência." (1916-17, p. 630) Já com sua teoria da libido bem desenvolvida, Freud é reconduzido de volta a Bernheim, de quem fora discípulo em Nancy em 1899. "A capacidade de irradiação da libido em direção a outra pessoa, como objeto de investimento, é uma capacidade de todos os indivíduos normais; a chamada tendência que o neurótico tem em transferir, representa, apenas, uma intensificação excepcional de uma característica universal. Seria deveras estranho se tal traço humano, pela sua universalidade, jamais tivesse sido observado e pessoa alguma nunca tivesse feito uso dele. Mas isso já foi feito. Bernheim, com sua perspicácia infalível, baseou sua teoria da manifestação hipnótica sobre a proposta de que todos os seres humanos, de alguma forma, encontram-se mais ou menos abertos à sugestão, são sugestionáveis. O que ele chamou de sugestionabilidade, nada mais é do que uma tendência à transferência." (Freud, 1916-17, p. 630) Freud vai então reconhecer a "dependência da sugestionabilidade na sexualidade e no funcionamento da libido" (p. 630) e admitir que: "...a influência da terapia psicanalítica é essencialmente fundamentada sobre a transferência, i.e., sobre sugestão..." (pp. 631-632) Freud passa a distingüir sugestão direta (mecanismo da hipnose), e sugestão indireta (sugestão no estado de vigília), "quando se pode obter os mesmos resultados da hipnose."(p. 631) "A sugestão direta incide diretamente contra as formas tomadas pelo sintoma, uma luta entre sua autoridade e as causas subjacentes à moléstia. Nessa luta, você não está preocupado com essas causas. O que se requer é que o paciente suprima suas manifestações. Em resumo, pouca diferença faz que você coloque o paciente em estado hipnótico ou não. Bernheim, com seu agudo senso lógico, dizia repetidamente que a sugestão é que era a essência da manifestação hipnótica, e que a hipnose, ela própria, já era um resultado da sugestão, era um estado de sugestão." (p. 631)’ Podemos dizer que sua teoria psicanalítica se constrói, não por oposição, mas por substituição à Hipnose, conforme nos foi sugerido pela Dra. Mônica Tolipan. Freud vai, então, utilizar a hipnose como modelo clínico de referência e, podemos mesmo perceber, que a questão da sugestão vai perpassar, de alguma forma, toda a sua obra. Em seu trabalho sobre Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921), Freud não hesita em afirmar:
        "A hipnose não se presta para uma comparação com a formação das massas porque, na verdade, ela é idêntica às propria massas." (p. 682).
      Ou, como se refere sobre outra matéria: "Um curto passo separa o estar apaixonado do estado hipnótico." (p. 682)
    Mais outro modo de produção. Mas, apesar de Freud ter construido seu campo teórico com a matéria-prima da hipnose, ou seja, a sugestão, o escopo da Psicanálise deixava de fora uma série de fenômenos observados sob estado hipnótico. O fato de não tomá-los em consideração não pode ser atribuido a um mero descaso em relação a fenômenos que ele próprio havia estudado com Charcot, Breuer, Bernheim e Liébault, tais como: a catalepsia, a letargia, o sonambulismo, etc... Além desses, os fenômenos que hoje denominamos paranormais, muitos dos quais observáveis sob hipnose, parecem ter sido "esquecidos" pela Psicanálise. Esse "esquecimento" pode nos conduzir a uma leitura da hipnose como o "recalcado da teoria psicanalítica" (palavras da Dra. Mônica Tolipan). Um recalcado que parece retornar, justamente, no "onde e quando" a Psicanálise não dá conta, como, por exemplo: no surto psicótico, nos estados autísticos, no autismo precoce infantil, na depressão profunda, etc ... No Capítulo 7 veremos o que há de comum entre o estado hipnótico, e os os estados psicóticos , como chamado a atenção por Chertok (1979, pp. 88-90), e entre o estado hipnótico e o estado autista, como desenvolvimento de tese original proposta por Mônica Tolipan (1994). Terminamos por ver um resumo sobre outros procedimentos de se sugestionar a mente, quais sejam: indução hipnótica nos estados hipnoidais e sonambúlico, sugestão através da pressão das mãos sobre a fronte do paciente, sugestão via relação transferencial com o analista, e sugestão em grupo pela idealização de um lider ou de uma idéia. Todas essas variações são formalmente distintas daquelas tratadas na seção O Cérebro e a Sugestão do Capítulo II. Entretanto, em todas elas encontra-se um processo comum, pelo qual se controla o poder de decisão de um ou mais indivíduos, bem como o acesso a efeitos ditos inconscientes ou não acessíveis diretamente pela consciência. Após o próxímo capítulo, estaremos com todos os elementos necessários à formulação do conceito de pseudoEgo, que consiste dessa nova unidade que é criada através da sugestão e que vai falar de um Outro lugar (Capítulo V).

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