terça-feira, 26 de outubro de 2010

Alotriose (Alotriosis)

VI - ALOTRIOSE

ALOTRIO
      Figura 6-1: Posição de eqüilíbrio Psico-Orgânico promovido pela resultante das forças das pulsões. A tendência natural é impelir o ser-vivo à graus maiores de entropia, a potenciais energéticos mais baixos. O ser humanos se eqülibra entre a tendência de retorno à condição inorgânica (pulsão de morte) e a tendência de retorno à condição de animal inferior (pulsão de não-fala).
O conceito de ALOTRIOSE  foi criado em conjunto com a psicanalista Mônica Tolipan, em 1993-94. Antes de desenvolvê-lo vamos rever brevemente as noções Freudianas de pulsão de vida e de pulsão de morte, e examinar suas relações com a entropia, essa Lei maior e anterior mesmo à criação do mundo orgânico.

CAVEIRA Pulsão de Vida - Pulsão de Morte - Entropia
    Na visão de Freud, "Como produto de considerações teóricas apoiadas na Biologia, nós assumimos a existência de um instinto de morte, cujo objetivo é o de redirecionar a matéria orgânica de volta ao estado inorgânico." (Freud, 1923, pp. 708-709), enquanto que Eros vem produzir "uma inacreditável coalescência entre as partículas...possibilitando assim a manutenção da vida."(p. 709). Para Freud , o aparecimento da vida tem causa igual a da manutenção da vida e do impulso em direção à morte. "Nessa visão, o processo fisiológico específico de anabolismo/catabolismo estaria associado a essas duas classes de instinto; ambos os instintos estariam ativos em todas as partículas das substâncias vivas" (Freud, op. cit., p. 709). Freud utiliza os conceitos de prazer e de dor da obra de G. Th. Fechner "Einige Ideen zur Schöpfungs- und Entwickelungsgeshichte der Organismen, 1873, p. 94 "(4), porque esses "conceitos são idênticos àqueles que nos foram revelados pela prática psicanalítica."(Freud, 1920, p. 639). Para Fechner e, portanto, para Freud, a vida é governada por um princípio da manutenção do eqüilíbrio entre esses dois instintos. Nas palavras de Fechner "qualquer movimento psicofisiológico que se encaminha para esse eqüilíbro é acompanhado de prazer..., ou por dor, se o movimento é em direção contrária e atinge determinado limite."(apud Freud, 1920, p. 639). Fechner, em 1873, emprega o termo eqüilíbro em um mimetismo às avessas da 2a Lei da Termodinâmica, sobre a Entropia, termo este primeiramente definido pelo físico alemão contemporâneo, Rudolf Clausius, em 1865. Os processos naturais, digamos, físicos, se dão em direção à desordem, isto é, ao eqüilíbro termodinâmico. Se eu coloco água quente em um recipiente com água fria, o sistema tenderá naturalmente ao eqüilíbrio, a um aumento de entropia do sistema, e o resultado é a homogeneização em uma temperatura média. Se eu dispuser em uma caixa, camadas de bolas brancas alternadas com camadas de bolas vermelhas, essa organização, essa ordem, reflete um estado relativo de baixa entropia. Ao sacudir a caixa, a tendência natural é no sentido de que as bolas brancas e vermelhas se misturem desordenadamente. O sistema assim homogeneizado possui entropia mais elevada que o sistema ordenado em camadas. A manutenção da vida é, portanto, uma luta constante para se distanciar desse eqüilíbrio imposto pela Lei da Entropia. A entropia quer desorganizar, e a Vida quer organizar. A entropia faz doer, e a busca pela Vida traz prazer. Não é por menos que Freud calcou o seu princípio do prazer em uma não-dor. Assim, o chamado eqüilíbrio das pulsões, representa um eqüilíbro psíquico para evitar, ou adiar, o eqüilíbro termodinâmico com o meio-ambiente físico. "Se é verdade que a vida é governada pelo princípio de Fechner sobre o eqüilíbrio constante, então ela é uma descida constante em direção à morte; contudo, a queda é retardada na medida que novas tensões são introduzidas pelo clamor de Eros através do instinto sexual e devido às necessidades instintivas." (3)(Freud, 1923, p. 711). A vida é parte dessa dialética de dois instintos, regidos que são por duas regras maiores e que têm o estatuto de Leis. Vamos chamá-las de Leis Orgânicas Vitais. A Primeira Lei Orgânica é a própria Lei da Entropia, a seta do tempo, que regula todos os processos naturais em uma condição de irreversibilidade, tendendo sempre à desordem progressiva. A entropia, como lei cósmica primordial, açambarca tanto o mundo físico (inorgânico) quanto o mundo orgânico. No mundo mental orgânico ela é decodificada pelo instinto de morte (ou pulsão de morte, para o homem). A Segunda Lei Orgânica pode ser enunciada em um páragrafo único: "Não pode não-viver e há que manter a vida". O cumprimento dessa lei requer um suprimento constante de energia para o interior do sistema vivente. O alimento, e a defesa na iminência do perigo constituem os dois fatores primordiais na manutenção da vida individual, enquanto que o instinto sexual leva à preservação da espécie - da linha filogenética. Pensemos na Primeira Lei Orgânica como um rio, com margens escarpadas, que desemboca em uma cachoeira, por onde suas águas caem para um nível inferior. Essa caida para um nível de energia potencial mais baixa, para uma altitude menor, representa a tendência ao eqüilíbrio. É esse desnivelamento que faz funcionar a correnteza do rio, ou seja, no nosso exemplo, a regra por trás da lei. A Segunda Lei Orgânica poderia ser representada pelo organismo situado no centro do rio e que tem que se manter distante da cachoeira - distante da morte. Não há como escapar pelas margens - a imortalidade. O ser, para se manter vivo no interior desse campo de força inextingüivel, deve exercer um esforço contínuo em sua luta contra a correnteza. Mas a vida acaba por sucumbir ao poder da Primeira Lei, a qual pode ser burlada, apenas, temporariamente. E o ser humano? Serão somente essas duas as leis que regulamentam sua essência? Na próxima seção vamos ver que a evolução introduziu novas pulsões vitais nessa nova espécie que é o Homo sapiens sapiens. SQGOLD  LIPSPulsão de Não-Fala Vamos nos aproximar da noção de Alotriose partindo de seu contrário. Talvez Freud tenha tomado emprestado alguma coisa dos epicuristas da Grécia antiga, para quem a exaltação do prazer (hedone) tomava como ponto de partida os já reconhecidos impulsos instintivos e naturais do homem. Os estóicos utilizaram o mesmo ponto de partida em sua ética, mas acrescentaram que não era o prazer que era primordial, mas aquilo que eles chamaram de oikeiosis(2), ou seja, a autopreservação, autoconservação, ou autoapropriação. Contudo, estamos mais interessados na noção oposta, alotriose (allotriosis), que significa autoalienação. A noção de alotriose se aproxima da noção de alienação, dela se diferençando pelas implicações do prefixo allo, e pelas atribuições ligadas às suas manifestações. A alotriose é um fenômeno que vai se manifestar através do que chamaremos de pulsão de não-fala:
      Essa pulsão, categorizada como semelhante ao instinto, é um fator inato de comportamento do homem, e se caracteriza pela presença de campos geradores de atividades elementares e automáticas, inconscientes, mas com finalidade precisa de tentativa de retorno à condição animal pré-humana, ou seja, ao estágio do ser-vivo não-falante. Está aí o cerne de nossa definição.
    A alotriose é parte da herança biológica (e psicogenética) herdada dos animais inferiores (não-falantes), após o salto evolutivo que produziu o ser falante. Tal como os outros instintos humanos, a pulsão de não-fala pode ser parcialmente acessível ao controle consciente. Ela se opõe à pulsão de fala, vista no capítulo anterior, da mesma forma que o instinto de morte se opõe ao instinto de vida (ou o Eros freudiano). Pulsões de fala e não-fala são atividades antagônicas, mas complementares e que, juntas, constituem uma única unidade - divisível, mas inseparável. A manifestação de uma implica a existência da outra. Os diferentes graus de manifestação e preponderância desta ou daquela pulsão, vão caracterizar o comportamento de cada indivíduo. Não existe pulsão de fala sem pulsão de não-fala, e vice-versa, tal como a síntese Hegeliana não pode prescindir de seus elementos geradores - tese e antítese; o mesmo ocorre no embate dialético das pulsões de vida e de morte. Poderíamos mesmo nos referir ao ser vivo, como um morto-vivo, onde cada incremento de vida o aproxima mais da morte; ou ao homem, como um mudo-falante (mudo no sentido do mutismo do animal inferior) onde, subjacente à sua fala, existe um campo de atração que o atrai de volta à condições pré-humanas de não-fala. Esses mecanismos paradoxais fazem parte da essência do comportamento humano. Essa essência é consubstanciada pela comunhão de um viver com um falar. No Capítulo 3 (ainda não inserido) escolhemos como a melhor expressão para a lei do falante(1), o enunciado Lacaniano:
    "Não pode não-falar"
    Ora, uma Lei só é instituida quando surge a necessidade de se manter determinada ordem. A infração à lei, implica em desordem e, a respeito da lei do falante, essa desordem é traduzida por uma não-fala (A Alienação), como expressa seu enunciado: "Não pode não-falar". Daí vem nossa proposta em eleger esse não-falar à categoria de pulsão inata. O seu oposto, o que denominamos de pulsão de fala, nada mais é senão a própria tradução da lei. Resumindo, a pulsão de fala traduz a lei do falante, e a pulsão de não-fala, a sua infração, ou seja, a punição em caso de descumprimento da lei. Seguindo esse raciocínio, poderíamos até dizer que a pulsão de não-fala, traduz uma outra lei, anterior, uma lei dos animais inferiores, que seria enunciada como: "Não pode falar". Entretanto, preferimos não estatuir essa função como lei vigente no mundo não-falante por não encontrarmos uma tensão oposta que exija sua enunciação. Já no universo do falante, a herança da não-fala vai criar, ela própria, uma tensão oposta à lei que institui a fala. A pulsão de não-fala está implícita em Freud, Lacan e em toda a psicoterapia analítica pós-Freudiana, só que travestida de outros significantes, tais como: o desejo de retorno ao primitivo, o desejo de retorno ao ventre materno, a busca do objeto perdido, a busca do objeto "a", o Phalus (em outras instâncias, o termo Phalus designa a propria Lei), o seio materno, o estado narcísico, etc...). Ao introduzirmos o conceito de alotriose, com manifestações provocadas por um impulso, ou seja, por uma pulsão que atrai o falante para não falar, estamos propondo identificar e revelar o mecanismo fundamental, original, inerente e natural por trás de todas as diferentes versões acima mencionadas. O "seio materno", a "busca do objeto perdido", etc..., são formalizações de caráter mais ou menos abrangentes, mas sempre casuísticas. A alotriose está na raiz estrutural sobre a qual se desenham essas diversas formas de expressão, ou melhor, de não-expressão.SQGOLDFootnotes (1) Esse conceito recebe diversas designações, segundo Lacan: Nome-do-Pai, O Phalus, A Lei, a Ordem do Significante, a Inserção do Simbólico, Estatuto do Sujeito, etc...(ver Capítulo 3) (2) Definições retiradas da obra de F. E. Peters: "Termos Filosóficos Gregos - um léxico histórico", 1977, p. 169. (3) Achamos que Freud coloca duas classes distintas de efeitos dentro de uma mesma categoria, o que pode levar a uma certa incompreensão de seu raciocínio; seu instinto de morte, enquanto decorrente da entropia, tem um estatuto de Princípio, assim como o "peso" de algo é a resultante de um campo gravitacional - da mesma forma, a deterioração do orgânico é resultado de um campo entrópico. O seu instinto de morte, enquanto instinto destrutivo (Freud coloca o sadismo como um de seus representantes (1923, p. 708)), já pertence a uma categoria distinta, esta sim, com a função de instinto. Uma resulta de um campo externo ao organismo, e a outra é derivada a partir de um campo interno do organismo. (4) Tradução: Algumas Idéias sobre a Gênese e Evolução do Organismos
      OBSERVAÇÃO: As citações de números de páginas da obra de Freud, referem-se à tradução inglesa do Vol. 54 - Great Books, 1952/Enciclopédia Britânica.

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