terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cérebro – Sugestão e Lugares do Significante - Inconsciente Freudiano

II.5 - O Cérebro e a Sugestão

Esta seção pretende servir de base científica e experimental para causas fenomenológicas que serão tratadas no próximo capítulo, sobre o estado hipnótico e sobre a transferência em psicanálise. Por trás desses fenômenos passa-se algo que se denomina de sugestão. Para melhor comprendê-la teremos que, inicialmente, recorrer a um certo mecanismo básico na regulagem das atividades vitais - o chamado feedback.
Na década de 1940, o conceito de feedback (retro-alimentação) passa a servir de fundamento a uma ciência emergente, a Cibernética que pretende uma abordagem interdisciplinar no estudo dos mecanismos de controle e comunicação dos animais, seres humanos, máquinas e organizações. As atividades passam a ser ai encaradas como processos e sistemas. O conceito de feedback está ligado ao de homeostase, conforme utilizado por um fisiologista do século XIX, Claude Bernard, para quem "todos os processos do corpo eram regulados precisamente e dentro de limites fixos." (O termo Cibernética foi introduzido por Norbert Wiener, em 1946. Sua raiz grega "kybernetes" significa timoneiro). O funcionamento de um sistema homeostático é análogo ao de, por exemplo, um aquecimento central produzido por uma caldeira e regulado por um reostato acoplado a um termômetro, ou seja, um termostato. A regulagem é ajustada para manter a temperatura entre, digamos, 20°C e 30°C. Se a temperatura cair abaixo de 20°C, o reostato recebe esse dado do termômetro, liga o circuito elétrico e a caldeira passa a reaquecer a água. Quando a temperatura ultrapassa 30°C, um novo dado aciona o termostato, agora para desligar a corrente, e a caldeira pára de funcionar. Dessa forma, mantem-se uma váriável - a temperatura - dentro de determinados limites, entre 20°C e 30°C.
feedbackFigura II.5-1 - Circuito geral de "feedback" (ver texto)
O mecanismo geral, ilustrado na figura acima, mostra o feedback como uma seta em sentido contrário ao do caminho do sistema. Isso significa que a regulagem do sistema sempre se dá por um feedback negativo. O feedback contem a lei e as regras que regulam o processo. Um determinado dado entra ("input") no sistema para processamento, porém a saida ("output") da informação só é permitida se ela estiver de acordo com essa regra. Caso contrário, o dado não chega a sair. Antes da saída ele é devolvido de volta, para ser reprocessado até que o padrão determinado seja atingido. Esse processo ilustra como o cérebro regula as atividades do corpo, mantendo variáveis dentro de determinados limites através da transmissão e retro-alimentação das mensagens transportadas pelos neurônios e hormônios. Mas, onde há regulagem, existe desregulagem, que é o termo empregado pelo Dr. Gary Schwartz (apud Restak, 1979), para indicar uma falha no circuito de feedback. Uma desregulagem orgânica acarreta um sintoma danoso ao sistema, tal como o mal funcionamento do termostato pode levar a caldeira a uma explosão. O mais interessante é que o servomecanismo não é percebido conscientemente pelo ser humano. "Nós possuimos o paradoxo da auto-regulagem", diz Schwartz. "O cérebro possui uma inabilidade inerente de experimentar o feedback que participa em sua própria regulagem. O cérebro está construido de tal forma que é impossível que nós tomemos consciência desses processos, mesmo se nossa vontade assim o desejar." Contudo, existe a possibilidade de acessar alguns desses processos de forma indireta, como veremos a seguir, ainda nas palavras de Schwartz:
    "A confirmação da inacessibilidade direta da auto-regulagem cerebral vem de estudos de padrões das ondas cerebrais através do eletroencéfalograma (EEG). Normalmente, em estado de relaxamento o indivíduo gera padrões de EEG com frequência entre 8 e 13 ciclos por segundo. Essa ritmo alfa é simetricamente igual em ambos os lados da cabeça. Através de treinamento por feedback, o indivíduo pode aprender a elevar ou abaixar a frequência das ondas alfa, sem que se dê conta dessas modificações."
Em um dos experimentos de Gary Schwartz, os indivíduos são assim treinados a modificar a pressão arterial e o batimento cardíaco, elevando um e/ou diminundo o outro.
    "Após os testes, eles respondem que não sentiram nenhuma experiência subjetiva notável em resposta aos efeitos cardiovasculares modificados. Interessante, é que a maior parte deles não acreditou que pudesse exercer tamanho controle sobre esses efeitos."
Mas como é mesmo que se pode interferir nesses mecanismos que são inacessíveis à nossa consciência, considerando que eles são automáticos, para não dizer que eles são inconscientes ? É ai que entra o poder da sugestão indireta. Como veremos mais adiante, a sugestão indireta vai se dar através de um signo que mediatiza a passagem do que está no domínio do real, para o domínio do imaginário, para usar o jargão lacaniano. (Neste ponto seria interessante uma "viagem" para ler o que Freud diz sobre "sugestão indireta" e "transferência" em Psicanálise}
A medicina tradicional sempre fez uso de instrumentos que traduzissem sinais do corpo em efeitos mensuráveis, tais como o termômetro, o medidor de pressão arterial, o estetoscópio, o eletroencéfalograma, etc... Em todos esses casos, o instrumento especializado converte ações corporais inacessíveis em sinais significativos. Com instrumentos eletrônicos mais sofisticados, as medidas estáticas foram substituidas por medições dinâmicas, onde o funcionamento de determinado processo corporal pode ser observado continuamente através de decodificação das mensagens em sinais visuais ou auditivos. Em Nova York, em qualquer loja de produtos eletrônicos, pode-se adquirir um pequeno instrumento de feedback para controlar o rítmo alfa. É um experimento corriqueiro, mas vamos transcrever abaixo o teste realizado em um instrumento desenvolvido pela Dra. Barbara Brown (Restak, 1979, p. 317). Seu aparelho foi construido de tal forma a emitir um uma luz azul sempre que o indivíduo sob o teste entrasse em um estado de relaxamento (estado alfa). O indíviduo podia ver a intensidade da luz aumentar ou diminuir de acordo com o rítmo alfa do momento. Após algumas sessões, o indivíduo estava treinado a duplicar ou triplicar essa freqüência. Foi a partir dai que a Dra. Brown enunciou o conceito de biofeedback: “Se uma pessoa consegue ver algo dela própria que era inacessível e involuntário, então é possível que essa pessoa se identifique com isso e possa exercer controle sobre isso." É o que os psicobiólogos passaram a chamar de "aprendizado visceral”. Seriam inúmeros os exemplos desse tipo de aprendizado e suas aplicações em medicina psicossomática. Entretanto, o que nos interessa aquí é ressaltar, nesse exemplo, a força da sugestão indireta, e como uma pessoa, através da consciência, pode burlar a resistência, e acessar e influenciar mecanismos regidos pelo sistema nervoso autônomo. Se eu tento exercer um controle direto para influenciar meu rítmo alfa, uma misteriosa barreira (inconsciente?) se interpõe entre meu comando e o ato desejado. A mensagem assim emitida parece que não ser recebida pelos centros responsáveis pelo desencadeamento da ação. Esses centros não reagem ao meu comando direto e imediato. Entretanto, através da interpolação de um signo que mediatize a mensagem, esta é transmitida, recebida e transformada em ação. No exemplo acima, o signo é a luz azul. As diversas intensidades da luz azul agem de forma metafórica, substituindo e condensando significados de frequências de ondas alfa. Assim, eu posso acessar determinada frequência, por uma via mediata, através do símbolo metafórico que se coloca entre meu comando e esta frequência. (O rítmo alfa é o padrão registrado durante o estado hipnótico, tanto nos estágios iniciais, chamados de hipnoidais, como no avançado estágio de sonambulismo). Estamos ai vendo algo semelhante com o que se passa com o envio de mensagens do Inconsciente (Freudiano) ao Consciente. Nesse paralelismo, o Insconsciente só é acessado pelo Consciente através dos Significantes de suas manifestações metafóricas (sonhos, atos-falhos, lapsos, chistes). Esse tipo de acesso pode permitir uma mudança de efeitos produzidos pelo Inconsciente. Da mesma forma, o rítmo alfa ("inconsciente") só pode ser acessado e modificado, através da manifestação de um Significante - a luz azul - que desloque ou condense o Significado ligado à frequência das ondas. A frequência respresenta o Significado original em relação direta com seu Significante, que é a medida em ciclos por segundo lida por um aparelho. Este Significante é substituido por outro, ou seja, por certa intensidade de luz azul. Conscientemente, ao exercer uma influência direta sobre o Significante luz azul, eu consigo influenciar, indiretamente, o Significante original e, consequentemente, a frequência das ondas alfa. É reconhecido que, normalmente, pelo ato da vontade, ninguém consegue diminuir seu rítmo cardíaco. Ninguém, exceto alguns místicos e yogas. Um yoga, Ramanan Yogi, sob condições de teste laboratorial, permaneceu durante dez horas no interior de uma caixa lacrada e, voluntariamente, reduziu em 30% seu consumo de oxigênio. Em certo estágio do experimento, o consumo de oxigênio do yoga ficou a 25% do mínimo necessário à manutenção da vida!! (apud Restak, 1979, p. 318).
Foram resultados como esse que encorajaram os psicobiólogos a pesquisar e comprovar que é possível um aprendizado visceral distinto daquele produzido por um simples condicionamento. Vejamos outros efeitos da sugestão, agora com apoio em testes realizados pelo Dr. Gary Schwartz (Restak, op. cit. pp. 328-330), e que guardam uma implicação direta com os fenômenos relacionados com o processo de hipnose. Os psicobiólogos partem do princípio de que mente e cérebro são indissociáveis. Esse princípio poderia estar em contradição com o fato de que a psicanálise, ou outros tipos de psicoterapias, onde o médico dispensa drogas, trata apenas da mente do paciente, e não do cérebro. Como, então, para manter o princípio válido, pode o psicoterapeuta modificar o cérebro sabendo-se que a metodologia empregada se restringe a um ouvir e a um falar?
    "A resposta a esse aparente paradoxo vem do exame do que realmente ocorre quando concentramos nossa atenção em signos imaginados. Estudos eletroencefalográficos mostram que a percepção de um lampejo luminoso altera as ondas cerebrais registradas no córtex visual. Se o indivíduo passa a tamborilar o dedo, o registro de EEG é acusado nas áreas motoras do cérebro. Em seguida, o indivíduo é colocado em um ambiente de isolamento, e solicitado a pensar na imagem de um "flash" de luz, e depois na imagem do tamborilar dos dedos. Os padrões EEG do teste imaginário são idênticos aos padrões obtidos quando o indivíduo realmente está vendo o "flash" luminoso e sentindo o bater dos dedos."
Essa e outras experiências revelam que o imaginário exerce um efeito físico mensurável no cérebro. "Uma modificação neurofisiológica do cérebro ocorre como resposta a uma atividade mental." Para Schwartz, qualquer atividade da mente induzirá uma modificação no cérebro, mas ainda não se dispõe de tecnologia apropriada para detectar todas essas mudanças.
Voltando à psicanálise (e ao hipnotismo), vemos que palavras e imagens geradas durante uma terapia podem produzir efeitos físicos. "Nessa perspectiva, terapia verbal também é neuroterapia, mesmo que não tenhamos uma percepção consciente de que se trata disso", fala ainda o Dr. Schwartz. Outros testes mostram estreita correlação entre imagens e seus efeitos nos músculos da face. Em indivíduos normais, o pensamento consciente de três imagens distintas, por exemplo, cenas alegres e felizes, cenas de zanga e raiva, e cenas de tristeza, carregam consido significantes com cargas emocionais distintas e que se traduzem, imperceptivelmente, em três padrões diferentes de tensão dos músculos faciais.
Resumindo, vimos alguns processos, através dos quais diversas formas de sugestão são capazes de produzir efeitos que, normalmente, não são acessíveis ao consciente humano. Os símbolos empregados para sugestionar e influenciar foram:
        a luz azul, o lampejo de luz, o bater dos dedos, e a imagem de diversas cenas.
E a palavra?
Ora, a palavra com significado substitui a coisa. Ao terminar de ler as seguintes palavras: um rosbife suculento e um limão espremido, você deverá estar salivando mais do que antes, em resposta a um comando de seu hypotálamo que transmitiu uma mensagem até suas glândulas salivares. (Exemplo de teste que nos foi aplicado em sessão clínica pelo hipnólogo e psiquiatra, Dr. Walter Mastrocolla )
II .6 - Os Lugares da Fala e do Significado no Cérebro
Deixamos para o final deste capítulo (II) a descrição de algumas peculiaridades fundamentais do cérebro humano: a fala e a especialização dos dois hemisférios. Muito embora a lateralidade (controle de movimentos e sensações de um dos lados do corpo pelo hemisfério oposto) dos hemisférios esteja presente em outros vertebrados, as experiências revelam a existência de determinadas funções do cérebro humano controladas exclusivamente por um dos hemisférios. Esse fenômeno recebe o nome de especialização. "Estudos anatômicos e de comportamento em outros primatas não demonstram a mesma especialização dos hemisférios" que encontramos no cérebro humano. Alguns primatas mostram, apenas, alguma assimetria funcional no lobo temporal. O campo da fala está localizado no hemisfério esquerdo na quase totalidade das pessoas destras (98%) e em 60% dos canhotos (Restak, op.cit.). O hemisfério esquerdo é sede do cálculo e do raciocínio lógico e analítico. No hemisfério direito encontramos os lugares do raciocínio espacial, do imaginário não-verbal e, provavelmente, da criação artística e da intuição. O Signo Linguístico Saussuriano, bem como a articulação da oração significativa, vai resultar de uma intercomunicação integrada dos dois hemisférios. Entretanto, o Significante Saussuriano é exclusivo do hemisfério esquerdo (Estudos recentes parecem indicar uma diferença no cérebro feminino, onde o hemisfério direito toma parte ativa na fala vocalizada}. Voltaremos a esse assunto no capítulo seguinte. Alguns exemplos das experiências realizadas pelos psicobiólogos vão ilustrar melhor essa originalidade da mente humana. Nos anos 60 do século dezenove, "o cirurgião Francês Paul Broca tratou de um paciente que sofrera um derrame do lado esquerdo do cérebro e mal podia falar. Broca sugeriu que suas dificuldades de linguagem (afasia) poderiam ser explicadas em virtude de um amolecimento de certa área do hemisfério esquerdo. Quando outros investigadores relataramefeitos semelhantes em outros pacientes, parecia razoável supor que o hemisfério esquerdo abrigasse um centro responsável pela fala." Passado uma década dessa investigação inicial, o neurologista alemão Carl Wernicke identificou uma outra região do hemisfério esquerdo com ligação direta a certos aspectos da linguagem. Enquanto que a área de Broca é responsável pela conversão de pensamentos em sons articulados em frases e orações, a área de Wernicke está mais envolvida na transmissão de significado.
    "Um paciente com lesão na área de Broca faz tremendo esforço para falar e, assim mesmo, lentamente e em frases curtas, enquanto que um paciente que tenha danos na área de Wernicke se expressa com fluência, mas totalmente sem sentido. Os dois pacientes reagem a uma mesma pergunta, por exemplo, sobre o tempo, de forma bastante diferente. Aquele que apresenta distúrbio no centro de linguagem de Broca, responde: - Ensolarado. Se pressionado, ele pode elaborar um pouco mais: - Dia ensolarado. Sua fala é telegráfica, porém compreensível." "Em contraste, o paciente com a afasia de Wernicke, diria algo como: - Eu estava sobre no outro e depois eles tinham sido no departamento eu neste. Ele poderia até dizer algo tão distante quanto: - Rifles Argentinos. Tal paciente vive em uma torre de Babel linguística, está impossibilitado de entender algo que lhe seja dito e é incapaz de articular uma resposta com significação. Com freqüência, esses pacientes são erroneamente diagnosticados como psicóticos...tendo sido ai considerado, apenas, a sua fala louca." "Em seguida, Wernicke e outros deduziram, logicamente, que esses dois centros de linguagem estariam conectados entre sí e com outras partes do cérebro." Um feixe de nervos chamado fasciculus arqueado liga os dois centros. "A área de Wernicke, localizada em parte do lobo temporal esquerdo, é responsável pela formulação e compreensão da linguagem escrita e oral. A área de Broca, situada no córtex motor esquerdo (lobo frontal esquerdo), providencia o mecanismo muscular necessário à fala."
Em resumo, a mensagem, a ser transformada em fala é transmitida, por impulsos nervosos, da área de Wernicke até a área de Broca, e esta, localizada que está no córtex motor, aciona os músculos necessários e todo o aparelho fonador para emitir os sons correspondentes. Contemporaneamente, já na virada do século, o neurologista Francês, Joseph Jules DeJerrine, vai falar do importantíssimo papel do corpo caloso na comunicação verbal significativa. "Suas importantes conclusões resultaram de exaustiva análise do comportamento de um paciente e de como seu cérebro deveria estar funcionando para responder pelas deficiências encontradas." O paciente possuia lesões no córtex visual esquerdo e no corpo caloso. O paciente não podia ver com seu campo visual direito, cujas imagens não eram registradas pelo córtex visual esquerdo danificado, e não podia ler. Ele podia copiar palavras, escrever espontaneamente e anotar um ditado, mas não conseguia entender o que havia escrito. Embora as palavras escritas pelo paciente atingissem o hemisfério direito através do campo visual esquerdo, elas não podiam ser transmitidas pelo corpo caloso até o centro de fala de Wernicke, onde as imagens visuais seriam decodificadas em símbolos da linguagem falada. Dai, sua incapacidade em reconhecer sua própria escrita." "Infelizmente, essa comprovada importância do corpo caloso foi esquecida durante os sessenta anos seguintes." Somente em 1967, através das investigações relatadas pelo Dr. Roger Sperry (Restak, 1979), sobre o comportamento de dezesseis pacientes com o cérebro seccionado por cirurgia, é que fica demonstrada definitivamente a atribuição funcional do corpo caloso.(Em 1981, Roger W. Sperry recebe o prêmio Nobel de fisiologia e medicina por "ter extraido os segredos dos hemisférios cerebrais, demonstrando que eles são altamente especializados e que funções importantes encontram-se centradas no hemisfério direito.")
"Os efeitos mais impressionantes da síndrome de desconecção dos dois hemisférios pode ser sumarizada como uma aparente duplicação da maior parte da percepção consciente. As experiências mentais são diferentes para cada hemisfério, e eles não podem se comunicar para unificá-las em uma única "consciência". Cada hemisfério passa a ter sua própria emoção, seu próprio conceito e seu próprio impulso para agir...Após a cirugia, cada um dos hemisfério passou também a possuir sua própria memória, cada qual inacessível à lembrança pelo outro" (palavras do Dr. Sperry (apud Restak, op.cit.)). Vejamos como esse fenômeno de "duas mentes em um corpo" pode ser ilustrado pelos testes realizados em pacientes com o cérebro partido.
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Figura II.6-1 - Ilustração de teste realizado por Sperry em paciente comcérebro partido, de acordo coma descrição de Restak, 1979)
    "Se duas diferentes imagens são transmitidas, uma para o campo visual esquerdo e outra para o campo visual direito, o paciente reage como se um dos hemisférios não soubesse o que o outro está fazendo. No exemplo da Figura 2.6 - 1, um sinal de cifrão é transmitido à esquerda e um sinal de ponto de interrogação é transmitido à direita, e o paciente é solicitado a desenhar o que viu com sua mão esquerda. Sem hesitar, ele desenha o sinal de cifrão, pois sua mão esquerda é acionada pelo hemisfério direito, o mesmo que registrou a imagem do cifrão. Ao ser questionado sobre o que havia desenhado, o paciente responde: - Um ponto de interrogação."
A explicação de Sperry para essa ambigüidade coincide com as conclusões de DeJerrine vistas anteriormente. Já sabemos que a fala está confinada ao hemisfério esquerdo. Isso também ocorre com o paciente de cérebro partido, cuja resposta oral é limitada àquilo que o hemisfério esquerdo vê. No teste acima, o paciente falou do que viu no hemisfério da fala, isto é, o ponto de interrogação. O hemisfério direito, impossibilitado de comunicar a imagem recebida para que o hemisfério esquerdo a traduzisse pela fala, pôde, apenas, programar a mão esquerda para desenhar o ponto de interrogação. O paciente desenha uma coisa e, verbalmente, identifica outra.
II.7 - Duas Consciências em um Corpo?
Com base nos testes e investigações realizadas por Roger Sperry e colaboradores, pelo Dr. David Galin, do Instituto de Neuropsiquiatria Langley Porter, de São Francisco, EUA, e por outros cientistas, o Dr. Richard Restak ressalta que "a existência de percepções que não podem ser verbalizadas" tem uma certa semelhança com o inconsciente Freudiano.
Vamos tentar esclarecer o que se acha implícito nessa proposta, antes que psicanalistas e psicólogos a rotulem de desumana e mecanicista.
Tanto o inconsciente quanto o efeito mental que se dá no hemisfério direito, ambos operariam com imagens que não são verbalizadas, não têm um conteúdo significativo direto. Os processos é que seriam distintos. O insconsciente Freudiano estaria ligado ao trauma - um evento impressionante esquecido - nas palavras de Breuer, ao passo que a privacidade mental do hemisfério direito, nos exemplos vistos, resulta de uma lesão ou uma cirurgia no corpo caloso. Não obstante, os resultados são semelhantes, pois em ambos os casos existe uma resistência à significação de formas (gestálticas?) e imagens que não são acessíveis diretamente pela fala do sujeito.
Entretanto, não estar acessível à fala, não implica em não estar acessível ao sujeito falante. O termo fala, quando não especificado, geralmente subentende fala vocal.
No exemplo da Figura 2.6 - 1, o paciente estava consciente do que viu com o hemisfério direito, tanto que pôde se expressar ao desenhar o cifrão com a mão esquerda. O que ele não conseguia era vocalizar o símbolo. Essas observações levam à conclusão de que também o hemisfério direito é possuidor de certa consciência.
O que é importante enfatizar, de acordo com o Dr. David Galin (apud Restak, op.cit.), é que o que mais caracteriza a especialização dos hemisférios não é apenas a de operarem com materiais distintos, mas sim, que cada hemisfério está especializado em diferentes estilos cognitivos; o hemisfério esquerdo, atua segundo um processos lógico e analítico, onde as palavras se mostram como excelente ferramenta de expressão; o hemisfério direito opera através de um processo holístico percebendo a imagem como um todo gestáltico. Cada um deles tem sua maneira de interpretar a percepção do mundo externo.
Então, o que os psicobiólogos atribuem a eventos mentais inconscientes, diz respeito àquelas percepções do hemisfério direito que, por motivos variados, e ai entraria a psicologia, não são vocalizadas, mas que podem ser expressadas através de uma outra fala (um sintoma histérico, por exemplo). Vejamos um exemplo ilustrativo...
    "onde existe um conflito entre uma criança e sua mãe, enquanto a mãe emite uma mensagem verbal e, simultaneamente, passa um sentimento oposto através da entonação ou de uma linguagem corporal. "- Eu estou agindo assim porque eu te amo, minha querida" , diz a voz, ao passo que sua expressão facial e entonação dizem "- Eu te odeio e vou te destruir". Ambos os hemisférios da criança estariam expostos à mesma experiência, mas visto cada um deles ter seu modo cognitivo particular, eles vão extrair significados diferentes que se integram em uma mensagem contraditória. O lado esquerdo vai produzir um estado de segurança através das palavras "Eu te amo, querida", mas o lado direito vai traduzir inquietude ou medo devido aos gestos e tom de voz da mãe." (Dr. David Galin, apud Restak, op.cit.).
Nessa ilustração, cria-se um estado de ambivalência, pois a criança está em face de duas alternativas contraditórias para tomar uma decisão. O hemisfério esquerdo diz para ela se aproximar da mãe querida, e o direito diz para ela fugir de um inimigo perigoso. Geralmente, o hemisfério esquerdo ganha em superioridade, visto sua capacidade linguística, e emite comando internos, tais como: "seja razoável.", "você está exagerando", "não é bem isso que você está sentindo" , adquirindo, assim, controle sobre o hemisfério direito.
Essa dualidade da consciência humana é paradoxal em relação ao conceito geral de unidade da personalidade do indivíduo, como chama a atenção o neurofisiologista e filósofo Sir Charles Sherrington (apud Restak, op.cit.):
"O self é uma unidade - Ele próprio se vê como único, outros o tratam como único, o chamam por um único nome e ele responde. O Estado e a Sociedade o consideram um único. Um único corpo para responder por tudo que por todos é tratado como único. Em resumo, convicções indisputáveis assumem essa unicidade. A lógica da gramática assim o endossa por um pronome no singular. Toda essa diversidade se amalgama nesse um."
Estamos vendo que existem boas razões para se crer que a experiência de uma mente unitária é uma ilusão.
"Nós sentimos em um mundo; nós pensamos e damos nomes às coisas em um outro mundo; entre os dois podemos estabelecer alguma correspondência, mas jamais poderemos preencher integralmente esse intervalo."
São as palavras de Marcel Proust, que já intuia o que os psicobiólogos viriam a demonstrar e sobre o que Lacan iria se apoiar para discorrer sobre sua cadeia de significantes, e sobre o objeto "a" e a busca de algo inatingível.
A ilusão é ainda maior quando sabemos que a evolução que culminou no Homo sapiens sapiens, não o dotou de um cérebro unário novo, mas sim de um cérebro ternário, com raizes profundas da escala animal inferior, raizes essas que se manifestam constantemente em nosso comportamento instintivo e primitivo, em conflito constante com a parte racional do neocórtex humano.
Até agora, pretendemos assinalar, em linhas bastante gerais, algumas correspondências entre formas de comportamento e funções da mente, e a "topologia" cerebral. Não deve ser dai depreendido que somos defensores de ciência da frenologia irrestrita, onde todos os atributos humanos estariam associados a determinadas partes do cérebro. Já vimos em outra seção que a bi-univocidade entre topos e função é algo imediato e aparente. A mente é um sistema que funciona através de um processo bastante complexo, onde o todo é maior que a soma das partes. Assim, ver e agir, é muito mais do que a soma do que se passa nos chamados centros de visão e motor.
A psicobiologia é uma ciência relativamente nova. Sua sistemática não deve ter mais de cinqüenta anos, e acreditamos que o sucesso de suas futuras descobertas vai em muito depender do quanto ela incorporar do psicológico em suas investigações. Da mesma forma, pensamos que a psicanálise e a psicologia em geral, poderão apresentar propostas novas e mais criativas, incorporando parte do biológico em seu campo de estudos. É o entendimento da interpenetração do que se passa no corpo com o que se passa na mente, a primeira escala de uma viagem que nos levará à uma síntese que melhor defina o comportamento humano.
No próximo capítulo III- sobre hipnose e psicanálise - destacamos dois sub-títulos, Da transferência à sugestão e Neurofisiologia da hipnose, que servem de prolongamento à matéria já discutida em o Cérebro e a sugestão.

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