terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cérebro – Sugestão e Lugares do Significante - Inconsciente Freudiano

II.5 - O Cérebro e a Sugestão

Esta seção pretende servir de base científica e experimental para causas fenomenológicas que serão tratadas no próximo capítulo, sobre o estado hipnótico e sobre a transferência em psicanálise. Por trás desses fenômenos passa-se algo que se denomina de sugestão. Para melhor comprendê-la teremos que, inicialmente, recorrer a um certo mecanismo básico na regulagem das atividades vitais - o chamado feedback.
Na década de 1940, o conceito de feedback (retro-alimentação) passa a servir de fundamento a uma ciência emergente, a Cibernética que pretende uma abordagem interdisciplinar no estudo dos mecanismos de controle e comunicação dos animais, seres humanos, máquinas e organizações. As atividades passam a ser ai encaradas como processos e sistemas. O conceito de feedback está ligado ao de homeostase, conforme utilizado por um fisiologista do século XIX, Claude Bernard, para quem "todos os processos do corpo eram regulados precisamente e dentro de limites fixos." (O termo Cibernética foi introduzido por Norbert Wiener, em 1946. Sua raiz grega "kybernetes" significa timoneiro). O funcionamento de um sistema homeostático é análogo ao de, por exemplo, um aquecimento central produzido por uma caldeira e regulado por um reostato acoplado a um termômetro, ou seja, um termostato. A regulagem é ajustada para manter a temperatura entre, digamos, 20°C e 30°C. Se a temperatura cair abaixo de 20°C, o reostato recebe esse dado do termômetro, liga o circuito elétrico e a caldeira passa a reaquecer a água. Quando a temperatura ultrapassa 30°C, um novo dado aciona o termostato, agora para desligar a corrente, e a caldeira pára de funcionar. Dessa forma, mantem-se uma váriável - a temperatura - dentro de determinados limites, entre 20°C e 30°C.
feedbackFigura II.5-1 - Circuito geral de "feedback" (ver texto)
O mecanismo geral, ilustrado na figura acima, mostra o feedback como uma seta em sentido contrário ao do caminho do sistema. Isso significa que a regulagem do sistema sempre se dá por um feedback negativo. O feedback contem a lei e as regras que regulam o processo. Um determinado dado entra ("input") no sistema para processamento, porém a saida ("output") da informação só é permitida se ela estiver de acordo com essa regra. Caso contrário, o dado não chega a sair. Antes da saída ele é devolvido de volta, para ser reprocessado até que o padrão determinado seja atingido. Esse processo ilustra como o cérebro regula as atividades do corpo, mantendo variáveis dentro de determinados limites através da transmissão e retro-alimentação das mensagens transportadas pelos neurônios e hormônios. Mas, onde há regulagem, existe desregulagem, que é o termo empregado pelo Dr. Gary Schwartz (apud Restak, 1979), para indicar uma falha no circuito de feedback. Uma desregulagem orgânica acarreta um sintoma danoso ao sistema, tal como o mal funcionamento do termostato pode levar a caldeira a uma explosão. O mais interessante é que o servomecanismo não é percebido conscientemente pelo ser humano. "Nós possuimos o paradoxo da auto-regulagem", diz Schwartz. "O cérebro possui uma inabilidade inerente de experimentar o feedback que participa em sua própria regulagem. O cérebro está construido de tal forma que é impossível que nós tomemos consciência desses processos, mesmo se nossa vontade assim o desejar." Contudo, existe a possibilidade de acessar alguns desses processos de forma indireta, como veremos a seguir, ainda nas palavras de Schwartz:
    "A confirmação da inacessibilidade direta da auto-regulagem cerebral vem de estudos de padrões das ondas cerebrais através do eletroencéfalograma (EEG). Normalmente, em estado de relaxamento o indivíduo gera padrões de EEG com frequência entre 8 e 13 ciclos por segundo. Essa ritmo alfa é simetricamente igual em ambos os lados da cabeça. Através de treinamento por feedback, o indivíduo pode aprender a elevar ou abaixar a frequência das ondas alfa, sem que se dê conta dessas modificações."
Em um dos experimentos de Gary Schwartz, os indivíduos são assim treinados a modificar a pressão arterial e o batimento cardíaco, elevando um e/ou diminundo o outro.
    "Após os testes, eles respondem que não sentiram nenhuma experiência subjetiva notável em resposta aos efeitos cardiovasculares modificados. Interessante, é que a maior parte deles não acreditou que pudesse exercer tamanho controle sobre esses efeitos."
Mas como é mesmo que se pode interferir nesses mecanismos que são inacessíveis à nossa consciência, considerando que eles são automáticos, para não dizer que eles são inconscientes ? É ai que entra o poder da sugestão indireta. Como veremos mais adiante, a sugestão indireta vai se dar através de um signo que mediatiza a passagem do que está no domínio do real, para o domínio do imaginário, para usar o jargão lacaniano. (Neste ponto seria interessante uma "viagem" para ler o que Freud diz sobre "sugestão indireta" e "transferência" em Psicanálise}
A medicina tradicional sempre fez uso de instrumentos que traduzissem sinais do corpo em efeitos mensuráveis, tais como o termômetro, o medidor de pressão arterial, o estetoscópio, o eletroencéfalograma, etc... Em todos esses casos, o instrumento especializado converte ações corporais inacessíveis em sinais significativos. Com instrumentos eletrônicos mais sofisticados, as medidas estáticas foram substituidas por medições dinâmicas, onde o funcionamento de determinado processo corporal pode ser observado continuamente através de decodificação das mensagens em sinais visuais ou auditivos. Em Nova York, em qualquer loja de produtos eletrônicos, pode-se adquirir um pequeno instrumento de feedback para controlar o rítmo alfa. É um experimento corriqueiro, mas vamos transcrever abaixo o teste realizado em um instrumento desenvolvido pela Dra. Barbara Brown (Restak, 1979, p. 317). Seu aparelho foi construido de tal forma a emitir um uma luz azul sempre que o indivíduo sob o teste entrasse em um estado de relaxamento (estado alfa). O indíviduo podia ver a intensidade da luz aumentar ou diminuir de acordo com o rítmo alfa do momento. Após algumas sessões, o indivíduo estava treinado a duplicar ou triplicar essa freqüência. Foi a partir dai que a Dra. Brown enunciou o conceito de biofeedback: “Se uma pessoa consegue ver algo dela própria que era inacessível e involuntário, então é possível que essa pessoa se identifique com isso e possa exercer controle sobre isso." É o que os psicobiólogos passaram a chamar de "aprendizado visceral”. Seriam inúmeros os exemplos desse tipo de aprendizado e suas aplicações em medicina psicossomática. Entretanto, o que nos interessa aquí é ressaltar, nesse exemplo, a força da sugestão indireta, e como uma pessoa, através da consciência, pode burlar a resistência, e acessar e influenciar mecanismos regidos pelo sistema nervoso autônomo. Se eu tento exercer um controle direto para influenciar meu rítmo alfa, uma misteriosa barreira (inconsciente?) se interpõe entre meu comando e o ato desejado. A mensagem assim emitida parece que não ser recebida pelos centros responsáveis pelo desencadeamento da ação. Esses centros não reagem ao meu comando direto e imediato. Entretanto, através da interpolação de um signo que mediatize a mensagem, esta é transmitida, recebida e transformada em ação. No exemplo acima, o signo é a luz azul. As diversas intensidades da luz azul agem de forma metafórica, substituindo e condensando significados de frequências de ondas alfa. Assim, eu posso acessar determinada frequência, por uma via mediata, através do símbolo metafórico que se coloca entre meu comando e esta frequência. (O rítmo alfa é o padrão registrado durante o estado hipnótico, tanto nos estágios iniciais, chamados de hipnoidais, como no avançado estágio de sonambulismo). Estamos ai vendo algo semelhante com o que se passa com o envio de mensagens do Inconsciente (Freudiano) ao Consciente. Nesse paralelismo, o Insconsciente só é acessado pelo Consciente através dos Significantes de suas manifestações metafóricas (sonhos, atos-falhos, lapsos, chistes). Esse tipo de acesso pode permitir uma mudança de efeitos produzidos pelo Inconsciente. Da mesma forma, o rítmo alfa ("inconsciente") só pode ser acessado e modificado, através da manifestação de um Significante - a luz azul - que desloque ou condense o Significado ligado à frequência das ondas. A frequência respresenta o Significado original em relação direta com seu Significante, que é a medida em ciclos por segundo lida por um aparelho. Este Significante é substituido por outro, ou seja, por certa intensidade de luz azul. Conscientemente, ao exercer uma influência direta sobre o Significante luz azul, eu consigo influenciar, indiretamente, o Significante original e, consequentemente, a frequência das ondas alfa. É reconhecido que, normalmente, pelo ato da vontade, ninguém consegue diminuir seu rítmo cardíaco. Ninguém, exceto alguns místicos e yogas. Um yoga, Ramanan Yogi, sob condições de teste laboratorial, permaneceu durante dez horas no interior de uma caixa lacrada e, voluntariamente, reduziu em 30% seu consumo de oxigênio. Em certo estágio do experimento, o consumo de oxigênio do yoga ficou a 25% do mínimo necessário à manutenção da vida!! (apud Restak, 1979, p. 318).
Foram resultados como esse que encorajaram os psicobiólogos a pesquisar e comprovar que é possível um aprendizado visceral distinto daquele produzido por um simples condicionamento. Vejamos outros efeitos da sugestão, agora com apoio em testes realizados pelo Dr. Gary Schwartz (Restak, op. cit. pp. 328-330), e que guardam uma implicação direta com os fenômenos relacionados com o processo de hipnose. Os psicobiólogos partem do princípio de que mente e cérebro são indissociáveis. Esse princípio poderia estar em contradição com o fato de que a psicanálise, ou outros tipos de psicoterapias, onde o médico dispensa drogas, trata apenas da mente do paciente, e não do cérebro. Como, então, para manter o princípio válido, pode o psicoterapeuta modificar o cérebro sabendo-se que a metodologia empregada se restringe a um ouvir e a um falar?
    "A resposta a esse aparente paradoxo vem do exame do que realmente ocorre quando concentramos nossa atenção em signos imaginados. Estudos eletroencefalográficos mostram que a percepção de um lampejo luminoso altera as ondas cerebrais registradas no córtex visual. Se o indivíduo passa a tamborilar o dedo, o registro de EEG é acusado nas áreas motoras do cérebro. Em seguida, o indivíduo é colocado em um ambiente de isolamento, e solicitado a pensar na imagem de um "flash" de luz, e depois na imagem do tamborilar dos dedos. Os padrões EEG do teste imaginário são idênticos aos padrões obtidos quando o indivíduo realmente está vendo o "flash" luminoso e sentindo o bater dos dedos."
Essa e outras experiências revelam que o imaginário exerce um efeito físico mensurável no cérebro. "Uma modificação neurofisiológica do cérebro ocorre como resposta a uma atividade mental." Para Schwartz, qualquer atividade da mente induzirá uma modificação no cérebro, mas ainda não se dispõe de tecnologia apropriada para detectar todas essas mudanças.
Voltando à psicanálise (e ao hipnotismo), vemos que palavras e imagens geradas durante uma terapia podem produzir efeitos físicos. "Nessa perspectiva, terapia verbal também é neuroterapia, mesmo que não tenhamos uma percepção consciente de que se trata disso", fala ainda o Dr. Schwartz. Outros testes mostram estreita correlação entre imagens e seus efeitos nos músculos da face. Em indivíduos normais, o pensamento consciente de três imagens distintas, por exemplo, cenas alegres e felizes, cenas de zanga e raiva, e cenas de tristeza, carregam consido significantes com cargas emocionais distintas e que se traduzem, imperceptivelmente, em três padrões diferentes de tensão dos músculos faciais.
Resumindo, vimos alguns processos, através dos quais diversas formas de sugestão são capazes de produzir efeitos que, normalmente, não são acessíveis ao consciente humano. Os símbolos empregados para sugestionar e influenciar foram:
        a luz azul, o lampejo de luz, o bater dos dedos, e a imagem de diversas cenas.
E a palavra?
Ora, a palavra com significado substitui a coisa. Ao terminar de ler as seguintes palavras: um rosbife suculento e um limão espremido, você deverá estar salivando mais do que antes, em resposta a um comando de seu hypotálamo que transmitiu uma mensagem até suas glândulas salivares. (Exemplo de teste que nos foi aplicado em sessão clínica pelo hipnólogo e psiquiatra, Dr. Walter Mastrocolla )
II .6 - Os Lugares da Fala e do Significado no Cérebro
Deixamos para o final deste capítulo (II) a descrição de algumas peculiaridades fundamentais do cérebro humano: a fala e a especialização dos dois hemisférios. Muito embora a lateralidade (controle de movimentos e sensações de um dos lados do corpo pelo hemisfério oposto) dos hemisférios esteja presente em outros vertebrados, as experiências revelam a existência de determinadas funções do cérebro humano controladas exclusivamente por um dos hemisférios. Esse fenômeno recebe o nome de especialização. "Estudos anatômicos e de comportamento em outros primatas não demonstram a mesma especialização dos hemisférios" que encontramos no cérebro humano. Alguns primatas mostram, apenas, alguma assimetria funcional no lobo temporal. O campo da fala está localizado no hemisfério esquerdo na quase totalidade das pessoas destras (98%) e em 60% dos canhotos (Restak, op.cit.). O hemisfério esquerdo é sede do cálculo e do raciocínio lógico e analítico. No hemisfério direito encontramos os lugares do raciocínio espacial, do imaginário não-verbal e, provavelmente, da criação artística e da intuição. O Signo Linguístico Saussuriano, bem como a articulação da oração significativa, vai resultar de uma intercomunicação integrada dos dois hemisférios. Entretanto, o Significante Saussuriano é exclusivo do hemisfério esquerdo (Estudos recentes parecem indicar uma diferença no cérebro feminino, onde o hemisfério direito toma parte ativa na fala vocalizada}. Voltaremos a esse assunto no capítulo seguinte. Alguns exemplos das experiências realizadas pelos psicobiólogos vão ilustrar melhor essa originalidade da mente humana. Nos anos 60 do século dezenove, "o cirurgião Francês Paul Broca tratou de um paciente que sofrera um derrame do lado esquerdo do cérebro e mal podia falar. Broca sugeriu que suas dificuldades de linguagem (afasia) poderiam ser explicadas em virtude de um amolecimento de certa área do hemisfério esquerdo. Quando outros investigadores relataramefeitos semelhantes em outros pacientes, parecia razoável supor que o hemisfério esquerdo abrigasse um centro responsável pela fala." Passado uma década dessa investigação inicial, o neurologista alemão Carl Wernicke identificou uma outra região do hemisfério esquerdo com ligação direta a certos aspectos da linguagem. Enquanto que a área de Broca é responsável pela conversão de pensamentos em sons articulados em frases e orações, a área de Wernicke está mais envolvida na transmissão de significado.
    "Um paciente com lesão na área de Broca faz tremendo esforço para falar e, assim mesmo, lentamente e em frases curtas, enquanto que um paciente que tenha danos na área de Wernicke se expressa com fluência, mas totalmente sem sentido. Os dois pacientes reagem a uma mesma pergunta, por exemplo, sobre o tempo, de forma bastante diferente. Aquele que apresenta distúrbio no centro de linguagem de Broca, responde: - Ensolarado. Se pressionado, ele pode elaborar um pouco mais: - Dia ensolarado. Sua fala é telegráfica, porém compreensível." "Em contraste, o paciente com a afasia de Wernicke, diria algo como: - Eu estava sobre no outro e depois eles tinham sido no departamento eu neste. Ele poderia até dizer algo tão distante quanto: - Rifles Argentinos. Tal paciente vive em uma torre de Babel linguística, está impossibilitado de entender algo que lhe seja dito e é incapaz de articular uma resposta com significação. Com freqüência, esses pacientes são erroneamente diagnosticados como psicóticos...tendo sido ai considerado, apenas, a sua fala louca." "Em seguida, Wernicke e outros deduziram, logicamente, que esses dois centros de linguagem estariam conectados entre sí e com outras partes do cérebro." Um feixe de nervos chamado fasciculus arqueado liga os dois centros. "A área de Wernicke, localizada em parte do lobo temporal esquerdo, é responsável pela formulação e compreensão da linguagem escrita e oral. A área de Broca, situada no córtex motor esquerdo (lobo frontal esquerdo), providencia o mecanismo muscular necessário à fala."
Em resumo, a mensagem, a ser transformada em fala é transmitida, por impulsos nervosos, da área de Wernicke até a área de Broca, e esta, localizada que está no córtex motor, aciona os músculos necessários e todo o aparelho fonador para emitir os sons correspondentes. Contemporaneamente, já na virada do século, o neurologista Francês, Joseph Jules DeJerrine, vai falar do importantíssimo papel do corpo caloso na comunicação verbal significativa. "Suas importantes conclusões resultaram de exaustiva análise do comportamento de um paciente e de como seu cérebro deveria estar funcionando para responder pelas deficiências encontradas." O paciente possuia lesões no córtex visual esquerdo e no corpo caloso. O paciente não podia ver com seu campo visual direito, cujas imagens não eram registradas pelo córtex visual esquerdo danificado, e não podia ler. Ele podia copiar palavras, escrever espontaneamente e anotar um ditado, mas não conseguia entender o que havia escrito. Embora as palavras escritas pelo paciente atingissem o hemisfério direito através do campo visual esquerdo, elas não podiam ser transmitidas pelo corpo caloso até o centro de fala de Wernicke, onde as imagens visuais seriam decodificadas em símbolos da linguagem falada. Dai, sua incapacidade em reconhecer sua própria escrita." "Infelizmente, essa comprovada importância do corpo caloso foi esquecida durante os sessenta anos seguintes." Somente em 1967, através das investigações relatadas pelo Dr. Roger Sperry (Restak, 1979), sobre o comportamento de dezesseis pacientes com o cérebro seccionado por cirurgia, é que fica demonstrada definitivamente a atribuição funcional do corpo caloso.(Em 1981, Roger W. Sperry recebe o prêmio Nobel de fisiologia e medicina por "ter extraido os segredos dos hemisférios cerebrais, demonstrando que eles são altamente especializados e que funções importantes encontram-se centradas no hemisfério direito.")
"Os efeitos mais impressionantes da síndrome de desconecção dos dois hemisférios pode ser sumarizada como uma aparente duplicação da maior parte da percepção consciente. As experiências mentais são diferentes para cada hemisfério, e eles não podem se comunicar para unificá-las em uma única "consciência". Cada hemisfério passa a ter sua própria emoção, seu próprio conceito e seu próprio impulso para agir...Após a cirugia, cada um dos hemisfério passou também a possuir sua própria memória, cada qual inacessível à lembrança pelo outro" (palavras do Dr. Sperry (apud Restak, op.cit.)). Vejamos como esse fenômeno de "duas mentes em um corpo" pode ser ilustrado pelos testes realizados em pacientes com o cérebro partido.
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Figura II.6-1 - Ilustração de teste realizado por Sperry em paciente comcérebro partido, de acordo coma descrição de Restak, 1979)
    "Se duas diferentes imagens são transmitidas, uma para o campo visual esquerdo e outra para o campo visual direito, o paciente reage como se um dos hemisférios não soubesse o que o outro está fazendo. No exemplo da Figura 2.6 - 1, um sinal de cifrão é transmitido à esquerda e um sinal de ponto de interrogação é transmitido à direita, e o paciente é solicitado a desenhar o que viu com sua mão esquerda. Sem hesitar, ele desenha o sinal de cifrão, pois sua mão esquerda é acionada pelo hemisfério direito, o mesmo que registrou a imagem do cifrão. Ao ser questionado sobre o que havia desenhado, o paciente responde: - Um ponto de interrogação."
A explicação de Sperry para essa ambigüidade coincide com as conclusões de DeJerrine vistas anteriormente. Já sabemos que a fala está confinada ao hemisfério esquerdo. Isso também ocorre com o paciente de cérebro partido, cuja resposta oral é limitada àquilo que o hemisfério esquerdo vê. No teste acima, o paciente falou do que viu no hemisfério da fala, isto é, o ponto de interrogação. O hemisfério direito, impossibilitado de comunicar a imagem recebida para que o hemisfério esquerdo a traduzisse pela fala, pôde, apenas, programar a mão esquerda para desenhar o ponto de interrogação. O paciente desenha uma coisa e, verbalmente, identifica outra.
II.7 - Duas Consciências em um Corpo?
Com base nos testes e investigações realizadas por Roger Sperry e colaboradores, pelo Dr. David Galin, do Instituto de Neuropsiquiatria Langley Porter, de São Francisco, EUA, e por outros cientistas, o Dr. Richard Restak ressalta que "a existência de percepções que não podem ser verbalizadas" tem uma certa semelhança com o inconsciente Freudiano.
Vamos tentar esclarecer o que se acha implícito nessa proposta, antes que psicanalistas e psicólogos a rotulem de desumana e mecanicista.
Tanto o inconsciente quanto o efeito mental que se dá no hemisfério direito, ambos operariam com imagens que não são verbalizadas, não têm um conteúdo significativo direto. Os processos é que seriam distintos. O insconsciente Freudiano estaria ligado ao trauma - um evento impressionante esquecido - nas palavras de Breuer, ao passo que a privacidade mental do hemisfério direito, nos exemplos vistos, resulta de uma lesão ou uma cirurgia no corpo caloso. Não obstante, os resultados são semelhantes, pois em ambos os casos existe uma resistência à significação de formas (gestálticas?) e imagens que não são acessíveis diretamente pela fala do sujeito.
Entretanto, não estar acessível à fala, não implica em não estar acessível ao sujeito falante. O termo fala, quando não especificado, geralmente subentende fala vocal.
No exemplo da Figura 2.6 - 1, o paciente estava consciente do que viu com o hemisfério direito, tanto que pôde se expressar ao desenhar o cifrão com a mão esquerda. O que ele não conseguia era vocalizar o símbolo. Essas observações levam à conclusão de que também o hemisfério direito é possuidor de certa consciência.
O que é importante enfatizar, de acordo com o Dr. David Galin (apud Restak, op.cit.), é que o que mais caracteriza a especialização dos hemisférios não é apenas a de operarem com materiais distintos, mas sim, que cada hemisfério está especializado em diferentes estilos cognitivos; o hemisfério esquerdo, atua segundo um processos lógico e analítico, onde as palavras se mostram como excelente ferramenta de expressão; o hemisfério direito opera através de um processo holístico percebendo a imagem como um todo gestáltico. Cada um deles tem sua maneira de interpretar a percepção do mundo externo.
Então, o que os psicobiólogos atribuem a eventos mentais inconscientes, diz respeito àquelas percepções do hemisfério direito que, por motivos variados, e ai entraria a psicologia, não são vocalizadas, mas que podem ser expressadas através de uma outra fala (um sintoma histérico, por exemplo). Vejamos um exemplo ilustrativo...
    "onde existe um conflito entre uma criança e sua mãe, enquanto a mãe emite uma mensagem verbal e, simultaneamente, passa um sentimento oposto através da entonação ou de uma linguagem corporal. "- Eu estou agindo assim porque eu te amo, minha querida" , diz a voz, ao passo que sua expressão facial e entonação dizem "- Eu te odeio e vou te destruir". Ambos os hemisférios da criança estariam expostos à mesma experiência, mas visto cada um deles ter seu modo cognitivo particular, eles vão extrair significados diferentes que se integram em uma mensagem contraditória. O lado esquerdo vai produzir um estado de segurança através das palavras "Eu te amo, querida", mas o lado direito vai traduzir inquietude ou medo devido aos gestos e tom de voz da mãe." (Dr. David Galin, apud Restak, op.cit.).
Nessa ilustração, cria-se um estado de ambivalência, pois a criança está em face de duas alternativas contraditórias para tomar uma decisão. O hemisfério esquerdo diz para ela se aproximar da mãe querida, e o direito diz para ela fugir de um inimigo perigoso. Geralmente, o hemisfério esquerdo ganha em superioridade, visto sua capacidade linguística, e emite comando internos, tais como: "seja razoável.", "você está exagerando", "não é bem isso que você está sentindo" , adquirindo, assim, controle sobre o hemisfério direito.
Essa dualidade da consciência humana é paradoxal em relação ao conceito geral de unidade da personalidade do indivíduo, como chama a atenção o neurofisiologista e filósofo Sir Charles Sherrington (apud Restak, op.cit.):
"O self é uma unidade - Ele próprio se vê como único, outros o tratam como único, o chamam por um único nome e ele responde. O Estado e a Sociedade o consideram um único. Um único corpo para responder por tudo que por todos é tratado como único. Em resumo, convicções indisputáveis assumem essa unicidade. A lógica da gramática assim o endossa por um pronome no singular. Toda essa diversidade se amalgama nesse um."
Estamos vendo que existem boas razões para se crer que a experiência de uma mente unitária é uma ilusão.
"Nós sentimos em um mundo; nós pensamos e damos nomes às coisas em um outro mundo; entre os dois podemos estabelecer alguma correspondência, mas jamais poderemos preencher integralmente esse intervalo."
São as palavras de Marcel Proust, que já intuia o que os psicobiólogos viriam a demonstrar e sobre o que Lacan iria se apoiar para discorrer sobre sua cadeia de significantes, e sobre o objeto "a" e a busca de algo inatingível.
A ilusão é ainda maior quando sabemos que a evolução que culminou no Homo sapiens sapiens, não o dotou de um cérebro unário novo, mas sim de um cérebro ternário, com raizes profundas da escala animal inferior, raizes essas que se manifestam constantemente em nosso comportamento instintivo e primitivo, em conflito constante com a parte racional do neocórtex humano.
Até agora, pretendemos assinalar, em linhas bastante gerais, algumas correspondências entre formas de comportamento e funções da mente, e a "topologia" cerebral. Não deve ser dai depreendido que somos defensores de ciência da frenologia irrestrita, onde todos os atributos humanos estariam associados a determinadas partes do cérebro. Já vimos em outra seção que a bi-univocidade entre topos e função é algo imediato e aparente. A mente é um sistema que funciona através de um processo bastante complexo, onde o todo é maior que a soma das partes. Assim, ver e agir, é muito mais do que a soma do que se passa nos chamados centros de visão e motor.
A psicobiologia é uma ciência relativamente nova. Sua sistemática não deve ter mais de cinqüenta anos, e acreditamos que o sucesso de suas futuras descobertas vai em muito depender do quanto ela incorporar do psicológico em suas investigações. Da mesma forma, pensamos que a psicanálise e a psicologia em geral, poderão apresentar propostas novas e mais criativas, incorporando parte do biológico em seu campo de estudos. É o entendimento da interpenetração do que se passa no corpo com o que se passa na mente, a primeira escala de uma viagem que nos levará à uma síntese que melhor defina o comportamento humano.
No próximo capítulo III- sobre hipnose e psicanálise - destacamos dois sub-títulos, Da transferência à sugestão e Neurofisiologia da hipnose, que servem de prolongamento à matéria já discutida em o Cérebro e a sugestão.

O Sistema Nervoso

I – O Sistema Nervoso.

O sistema nervoso consiste de uma uma organização engenhosamente elaborada de células nervosas - os neurônios (Figura 1 - 1). Essas células coletam informação do ambiente por meio de receptores, coordenam informação com as atividades internas do organismo por um processo chamado integração, armazenam informação em termos de memória e controlam padrões adaptativos de comportamento. A membrana de cada célula individual é extremamente especializada e permite a transmissão de sinais eletroquímcos entre os neurônios em padrões e combinações bastante complexas.

 NEURON1 Figura I-1 Entrelaçamento entre dois neurônios

O ato de transmissão de impulsos entre dois neurônios se dá entre os pontos vizinhos de conecção funcional denominados de sinapse. A mensagem é transmitida, a partir da regiãopós-sináptica de um neurônio, onde um potencial elétrico é formado, gerando uma corrente elétrica que se desloca ao longo do axiônio até a fenda sináptica. O sinal aí provoca a liberação de agentes químicos chamados de neurotransmissores, que cruzam a fenda sináptica, transportando a mensagem para o neurônio seguinte (Figura 1-2). Determinadas combinações desses sinais envolvem excitação ou inibição, com atribuições operacionais específicas, tais como visão, audição, olfato, atividade sexual, controle dos movimentos, etc...

 NEURON2 Figura 1-2 - Detalhe de um neurônio e da fenda sináptica

O sistema nervoso no homem (e vertebrados, em geral) compreende o tronco cerebral e o cérebro, e um sistema periférico ocupando o restante do tecido nervoso. O sistema nervoso central coordena o sistema como um todo. O sistema nervoso motor enerva os músculos, a pele, as articulações e controla as ações voluntárias, enquanto que o sistema nervoso autônomo coordena, principalmente, as ações involuntárias, tais como o batimento cardíaco e a temperatura do corpo. Antes de lidarmos com o cérebro humano e com toda sua complexidade, vejamos o que se passa com uma das mais primitivas funções do sistema nervoso, o reflexo, que é um ato involuntário resultante de um estímulo externo. Esse padrão de atividade dos neurônios, independentemente do pensamento consciente, é conduzido por três componentes funcionais do sistema nervoso - um sistema sensorial (aferente), um centro de integração e um sistema motor (eferente) - que são bastante simples e asseguram com eficência a rápida transmissão de impulsos em resposta a um estímulo. Os neurônios especializados em trazer informação para o sistema nervoso são chamados de receptores. O sistema sensorial (aferente) é formado por essas células receptoras, localizadas que estão na pele, olhos, língua, nariz, ouvido interno, músculos e articulações. As células receptoras convertem a energia de um estímulo - química, mecânica, elétrica, luminosa ou térmica - em impulsos nervosos eletroquímicos. Os impulsos sensoriais são transmitidos por canais específicos do sistema nervoso até aos centros nervosos da espinha dorsal, da medula, do hipotálamo, do cerebelo e de outras partes do cérebro (e até ao córtex, nos mamíferos mais evoluidos). Os centros nervosos integram e processam esses sinais para, em seguida, descarregar novos impulsos através do sistema motor (eferente) em direção aos músculos, órgãos e glândulas, criando-se, assim, a chamada resposta motora. A conecção íntima entre o input sensorial (entrada de dados) e o output motor (saída de informação = dados processados), é regulado por um mecanismo de feedback, isto é, um mecanismo de homeostase, que mantem certas variáveis dentro de determinados limites através de um "loop" contínuo de troca de informações entre receptor e transmissor. Os reflexos criados por aprendizado são denominados reflexos condicionados. Em uma visão arquitetônico-formal, as redes aferente e eferente são comparáveis ao circuito complexo de um computador, àquela parte de seu hardware encarregada de transmitir sinais. Entretanto, o que passa nos centros nervosos de integração, já diz respeito a atividades mais complexas, onde os dados coletados por neurônios específicos, são combinados e processados de para produzir uma unidade integrada e coerente que é, podemos dizer, útil para a tomada de uma decisão. É esse o conceito fundamental de informação, embora quase sempre empreguemos este termo como sinônimo de dados. Tal atividade segue um determinado programa, um determinado conjunto de regras, como um "software", para manter a analogia com o computador. Contudo, o programa executor do reflexo é tão primitivo, que é como se ele próprio fosse parte integrante do "hardware", da matéria "inanimada" do ser vivo, assemelhando-se às instruções básicas contidas no BIOS do computador e que já está incorporada na máquina e, sem a qual, a máquina não pode funcionar, não pode "viver". É curioso que o termo BIOS seja formado a partir das iniciais de "Basic Input Output System" - Sistema Básico de Entrada e Saída...de informação. O BIOS compreende um mínimo de instruções fundamentais que vai permitir que a máquina reconheça suas partes e aceite a introdução de comandos a serem inseridos por programas mais elaborados, ou seja, possibilita o futuro aprendizado. Também já vem incorporado no "hardware" do computador um mínimo de memória, a memória ROM. Tal como os computadores, que são fabricados e reproduzidos com um BIOS, da mesma forma, o ser vivo reproduz esse BIOS filogeneticamente. Essa reprodução será assunto de capítulo específico.

No Capítulo 2 veremos como o sistema nervoso se organiza efunciona em um cérebro, e como a mente se manifesta através dele e do corpo.

O Cérebro e a Mente (Função, Fala e Grámatica Universal)

II.1 - O CÉREBRO HUMANO – Função, Fala e Gramática Universal
O cérebro humano é realmente um órgão notável, já que é constituído de bilhões de bilhões de células nervosas que estã diariamente morrendo e sendo substituídas em grande número, mas ainda a maioria de nós mantém a sua função coerente em toda a nossa vida. Entretanto, há duas visões radicalmente opostas sobre o que é essa função. A primeira e mais conhecida é que o cérebro é um gerador de pensamento, e sua capacidade de funcionar como tal tem se desenvolvido de forma incremental e, acidentalmente, durante bilhões de anos, na forma descrita na teoria de Charles Darwin da evolução. A segunda visão é apresentada no trabalho de diversos físicos, filósofos, cientistas etc,, aí incluindo Freud, que advogam que a função primária do cérebro não deve ser de um gerador de pensamento, mas um órgão de percepção, e que o que se percebe é o “interior” espiritual, ou psíquico, que seria o que o pensamento realmente é, uma proposta que já há poucas décadas começa a ser confirmada pela Física Quântica.
Na perspectiva materialista, a função do cérebro (mente) é análoga ao de um computador, e mesmo que o cérebro seja imensamente complexo, os desenvolvimentos recentes no campo da inteligência artificial (IA) tem convencido muitos de que em breve ele se tornará obsoleto, e que essa obsolescência finalmente será extendia à própria humanidade. (Veja Christopher Dowden: “Last Flesh”, Harper / Collins, Toronto, 1998). Há aspectos da pesquisa moderna do cérebro, no entanto, que sugerem que isso pode não ser o caso, e que nós mal começamos a entender a verdadeira função do cérebro. Importante a este respeito tem sido o trabalho do neurologista Karl Pibram, da Universidade de Stanford, cujo estudo sobre como as memórias são armazenadas no cérebro o levou a postular que a mente opera sobre uma base holográfica onde “o todo está presente em cada parte, e sugerindo que o repositório da memória real não estão nas células nervosas, mas em algum lugar fora do cérebro”. Tal conclusão se une ao trabalho dos físicos Alain Aspect e David Bohm que postulam um fundo holográfico para todo o universo físico. (Ver The Universe as a Hologram), e também sugere que a descrição de Rudolf Steiner da função cerebral pode muito bem ser a verdadeira. Como isso pode afetar a possibilidade de trabalho de Noam Chomsky?
Um dos grandes mistérios da compreensão humana, o que tem intrigado muitas das maiores mentes do século XX, incluindo Albert Einstein, tem a ver com a maneira pela qual o pensamento projeta em si a realidade externa. A citação a seguir descreve esse problema aparentemente insolúvel:
"Nenhum cientista trabalhando hoje pode negar que a estética, algo que é puramente um produto da realidade interior da nossa consciência, também nos fornece um mapa para descobrir a realidade fora do universo. Mas por que isso acontece? ... Ou, como o biofísico de Yale, Harold Morowitz colocou, por que é que, quando nós trabalhamos com a segunda lei de Newton sobre o movimento pela primeira vez, temos o sentimento de um retorno a um conhecimento primordial ?"... Como Einstein escreveu em 1921, “Aqui surge um enigma que tem perturbado os cientistas de todos os períodos. Como é possível que a matemática, um produto do pensamento humano, que é independente da experiência, se encaixa tão perfeitamente os objetos da realidade física? pode a razão humana, sem a experiência, descobrir por puro pensamento as propriedades de coisas?”.

O memorável físico húngaro Eugene Wigner concluiu que a estrutura da matemática e a estrutura do universo físico são perturbadoramente semelhantes. Wigner estampou em seu trabalho uma citação do falecido filósofo Charles Pierce “que existe algum segredo aqui que ainda precisa ser descoberto". (Citado por João Cafferky em “Evolution as Hand: Searching for the Creator in Contemporary Science”. East End Books, Toronto, 1997, p 17.
“A resposta de Rudolf Steiner para esse problema é simples e reveladora. O pensamento mapeia tão bem a realidade externa, porque, em sua essência, ele é própria realidade. No decurso da nossa evolução, a consciência humana desenvolveu-se a partir de um estado inicial inconsciente de profunda “participação” na interioridade da natureza, que ainda encontramos hoje no reino animal, para a uma alienação progressiva da natureza. Esse “isolamento” permitiu o desenvolvimento do individualismo, tornando assim possível a liberdade humana. A Natureza, ele nos diz, ainda vive em nossa consciência, mas não da maneira vital e poderosa de outrora. A maré da realidade interior vital da natureza retrocedeu completamente de nossa mente consciente, e deixou apenas o seu esqueleto remanescente, por assim dizer, nas margens da consciência humana, e esse remanescente esquelético é o que chamamos de “lógica”” (Don Cruse).
Cruse prossegue, “como Steiner descreve o ato de cognição, o mundo vem a nós não apenas uma direção, como tem sido assumido no materialismo filosófico, mas a partir de duas direções opostas. A percepção sensorial é algo único para cada indivíduo. Contudo, a percepção sózinha não traz consigo o seu conteúdo conceitual, e sem esse conteúdo o mundo permanece sem sentido para nós”.
Como melhor assinalou Freud (em o Ego e o Id), as coisas tornaram-se conscientes para o ser humano através de suas imagens verbais, do signo linguístico.
((1) As citações entre-aspas, sempre que não especificadas, referem-se à obra do psicobiologista, Dr. Richard Restak, 1979)
O cérebro humano é representado pela parte do sistema nervoso que está circunscrita pelo crânio. Ele regula (ou serve de via para) o pensamento, a memória, o juízo, a identidade pessoal e outros aspectos do que é comumente chamado de mente. O cérebro controla as atividades do corpo humano, incluindo, entre outras, a temperatura, a pressão sanguínea e todo o funcionamento dos órgãos internos, possibilitando que o corpo mantenha seu eqüilíbrio com o meio-ambiente. Clássicamente, seriam quatro as disciplinas médicas que estudam o cérebro humano: neurologia (neurofisiologia), neurocirurgia, psicobiologia e psiquiatria. Não é de nosso intuito, e muito menos de nossa competência, um estudo aprofundado do cérebro humano. Ao nos propormos a realizar o atual trabalho, verificámos ser a linguagem o elemento de intersecção entre a mente e o corpo, entre o psíquico e o somático. Dessa forma, se fez necessário um mínimo de conhecimento das funções cerebrais, bem como das estruturas lógicas do pensamento e da linguagem, para que se pudesse discutir essa intersecção. Para minimizar o pretensioso de nossa proposta, pensemos na dona-de-casa que, não sendo uma estudiosa de matemática, reconhece que o aprendizado das operações elementares de soma e subtração vão lhe proporcionar um melhor entendimento de algumas de suas tarefas, p.ex., comprar algo no mercado. Inicialmente, vamos tentar abolir da discussão a impossível dualidade mente-cérebro. O filósofo Gilbert Ryle (apud Restak, 1979, p. 19) descreveu o dilema mente-cérebro como o "mito do filósofo", baseado no que ele chamou de "erro de categoria". São duas categorias distintas, e não, duas "coisas" de uma mesma categoria. Parafraseando Restak (op.cit.), imaginem a seguinte cena: eu me proponho a mostrar o Governo para uma criança de quatro anos de idade. Para tanto, levo-a até Brasília onde, no primeiro dia realizamos um tour pelo Palácio da Alvorada, sede do Executivo; no segundo dia visitamos o Congresso Nacional - a Câmara e o Senado e, no terceiro dia, ela é apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Nesse ponto a criança, já impaciente, questiona " - Mas, onde está o Governo? Eu ví o Congresso, o Palácio da Alvorada e o Superior Tribunal Federal, mas não ví o Governo." Ryle explicaria que a surpresa da criança resultou de um erro de categoria da proposta inicial. A criança viu coisas, enquanto que o Governo não é para ser visto da mesma forma, pertencendo a uma outra categoria totalmente diversa, uma super-categoria que descreve a interação entre as outras três. Comparativamente, o cérebro pode ser dissecado, estimulado elétricamente, etc..., que a mente vai permanecer tão elusiva quanto ao "governo" que o menino de quatro anos não viu em Brasília. Embora vários pesquisadores considerem ambos, cérebro e mente, como processos (p.ex. Restak, op.cit), preferimoscolocá-los em categorias distintas.
O cérebro humano seria, então, um órgão necessário para manifestação da vida e da mente, esta, sim, representativa de um processo. Essa manifestação se dá pela regulagem das funções orgânicas e de nossas ações, e pela consciência que temos do mundo que nos cerca e do nosso mundo "interior". Com algumas poucas restrições, em analogia com o computador, o cérebro estaria no lugar do hardware, do equipamento, e a mente seria representada pelo software básico, pelo programa básico. O programa - a mente - consiste de uma série de códigos, que resultam em comandos destinados à realização de alguma operação, alguma tarefa. Esses códigos organizados compreendem, no computador, a linguagem da máquina - chamada de Assembler, que se correlacionaria, na mente, com o que chamamos linguagem humana. Essa linguagem humana, que seria, vulgarmente, a própria linguagem, obedeceria a uma "gramática universal" (Chomsky, 1972, 1975, 1977; Restak, 1979), a um sistema de regras comuns a todas as línguas da humanidade.
A Gramática Universal postula, entre outros, que é inerente à mente humana a estrutura da frase significante composta de um Sujeito e um Predicado.  As Línguas primitivas, "a Língua Portuguesa, a Língua Inglesa, etc..., estariam para a Linguagem, assim como o Fortran, o Basic, etc..., estariam para o Assembler. Seriam traduções do código primordial, artifícos idiomáticos empregados pelo programador (ser humano) para acessar o computador (o cérebro) e realizar determinado programa (atividades da mente e do corpo)". Esse assunto será tratado extensivamente no Capítulo IV, sobre PsicoSintaxe. Para completar nossa analogia, devemos colocar como parte integrante do cérebro (do hardware) todos os elementos físicos e químicos ai existentes (fluxo sanguíneo com suas substâncias e elementos químicos; neurotransmissores, que são substâncias químicas promotoras dos impulsos transmitidos pelas sinapses, etc...). Muitas vezes, vamos nos referir a "cérebro", como indicativo do conjunto cérebro-mente, tal como a referência ao termo "computador", pode significar o sistema operando como um todo: "hardware" e "software". Em outros casos, a referência, direta ou indireta, ao têrmo "cérebro", vai designar o próprio equipamento (p .ex., "lesão no lobo frontal", indica um dano em parte do "hardware"). No adulto humano, o cérebro é constituido por três partes maiores: o telencéfalo (cerebrum), o tronco cerebral e o cerebelo (alguns autores o incluem no tronco cerebral) (Figura II.1.1-1).
II.1.1 - Tronco Cerebral e Cerebelo
O tronco cerebral engloba a medula, a ponte, o mesencéfalo e o diencéfalo, servindo de eixo conectivo entre o cerebrum e a coluna vertebral. A medula localiza-se em uma das extremidades do tronco cerebral, em sua zona inferior, em forma de cauda, sendo contínua com a espinha dorsal.

Figura II.1.1 - 1 - Corte longitudinal do cérebro humano
Acima da medula desenvolve-se uma protuberância denominada ponte, que serve de ligação com a estrutura superior seguinte, o mesencéfalo (ou cérebro médio). Na outra extremidade do tronco cerebral localiza-se o diencéfalo, composto, em linhas gerais, pelo tálamo e pelo hypotálamo. No interior do tronco cerebral, um empacotamento celular em forma de rede tridimensional, conhecido como formação reticular responde pelo estado de vigíla, de alerta. Numerosas fibras nervosas ligam a formação reticular a outras partes do cérebro, formando o Sistema de Ativação Reticular (SAR). O hypotálamo é o lugar da emoção (Id freudiano) e de respostas mais imediatas aos estímulos, como intermediário entre os processos físicos e mentais: prazer, raiva, medo, apetite sexual, fome, sede, etc... O hypotálamo regula, ainda, a pressão sanguínea, a temperatura do corpo e outras funções básicas do sistema nervoso autônomo, mantendo uma influência direta sobre a pituitária, que é a principal controladora das glândulas endócrinas. O tálamo age como uma das etapas de processamento dos sentidos (exceto o olfato), como que intermediando as informações dirigidas a, ou vindas do córtex. O cerebelo coordena e controla os movimentos musculares, sendo um dos centros motores do cérebro. Tal como o cerebrum, o cerebelo também é dividido em dois hemisférios e possui uma camada intermediária de células brancas envolvidas por camadas de matéria cinzenta (neurônios). Está enervado ao córtex via núcleo talâmico e recebe impulsos aferentes de diversas partes do tronco cerebral. O cerebelo responde pelo controle preciso do corpo - regulagem, equilíbrio e delicadeza dos movimentos. "Imaginemos a arte elegante de um dançarino, a precisão fácil de um tenista profissional, o controle rapidíssimo de um piloto de corridase os movimentos seguros da mão de um pintor ou um músico; imaginemos, também, os saltos graciosos de uma gazela e a sinuosidade de um gato. Sem o cerebelo, essa precisão não seria possível e todos os movimentos se tornariam canhestros e desajeitados".  Parece, portanto, que quando aprendemos a fazer alguma coisa nova, seja andar ou dirigir carro, temos em princípio de pensar em cada ação, em detalhe, e o telencéfalo é que assume o controle; quando, porém, essa nova técnica foi dominada, transformando-se numa "segunda natureza", o cerebelo passa a controlá-la. Além disso, é experiência conhecida que, se pensarmos em nossos atos em relação a uma habilidade que foi aprendida, o controle instintivo pode ser perdido temporariamente. Pensar numa habilidade mecânica parece trazer de volta o controle cerebral e, embora uma flexibilidade de atividade seja introduzida com isso, perde-se a ação cerebelar fluente e precisa. Sem dúvida essas descrições são muito simplificadas, mas dão razoável idéia do papel do cerebelo." (Penrose, 1991, p. 421).
II.1.2 - Cerebrum
O telencéfalo (hemisférios cerebrais) é formado por três níveis superpostos: um nível superior de tecido neurônico, de cor cinza, denominado de córtex cerebral, um nível intermediário de células brancas - chamadas de células gliais (função nutriente) - e um nível inferior, sub-cortical onde, novamente, encontramos matéria cinzenta (neurônios). Esse nível é formado pelo hipocampo e pelos chamados gânglios basais, que compreendem o núcleo caudal, o putamen, o globus pallidus e as amígdalas. O hipocampo funciona como registrador de informação nova, informação essa que é armazenada no córtex para depois ser recuperada comomemória. Danos no hipocampo levariam o indivíduo a se desinteressar pela novidade, restringindo-o a uma interação monótona com o que fora apreendido anteriormente. Pelo menos em parte, estaria ai cortado um dos circuitos necessários para arquivar o aprendizado. Parte dos gânglios basais possui certa função motora. Danos nessa área podem provocar alguma rigidez muscular, piscar inconstante dos olhos e perda da expressão facial, como acontece com pacientes que são afetados pelo chamado "mal de Parkinson" (deficiência do neurotransmissor dopamina). A rugosidade do córtex é dada por um sistema de dobraduras formadas pela alternância entre partes mais salientes (giros) e os sulcos vizinhos. Às zonas de descontinuidade do córtex dá-se o nome de fissuras. A mais proeminente delas atravessa o cérebro longitudinalmente, separando-o parcialmente em dois hemisférios (esquerdo e direito). Na base dessa fissura os hemisférios são conectados por uma banda de fibras nervosas denominada corpo caloso, também designado de "a grande comissura cerebral" (Restak, 1967). Duas outras fissuras se destacam: a fissura de Sylvius, ou fissura lateral, e a fissura de Rolando, ou fissura central (Figura II.1.2-1).

Figura II.1.2-1 - Lobos, fissuras e os lugares de fala.

Cada hemisfério está sub-dividido em lobos: o lobo frontal se extende da parte anterior do cérebro até o sulco central; o lobo parietal localiza-se por trás da fissura central e acima da fissura lateral, e o lobo temporal compreende a região que está abaixo da fissura lateral. O lobo occipital vai ocupar a parte posterior do cérebro. O lobo olfativo (rinencéfalo) forma a superfície inferior do cérebro. Diversas partes do córtex estão associadas a funções específicas. O córtex visual é uma parte do lobo occipital e o córtex auditivo uma parte do lobo temporal. Cada um dos hemisfério ocupa-se com sentidos e movimentos do lado oposto do corpo, exceção feita para o olfato. O movimento do braço direito é controlado pelo hemisfério esquerdo, e o do braço esquerdo é controlado pelo hemisfério direito. Os sistemas nervosos aferentes e eferentes se cruzam de um lado para o outro antes de entrarem ou saírem do córtex. Com a visão passa-se algo um pouco distinto, pois, por exemplo, o hemisfério esquerdo não controla o olho direito, mas sim, o campo visual direito de cada um dos olhos. Os nervos que saem do lado direito da retina de cada olho vão estar ligados ao córtex visual, do lado esquerdo do cérebro, o oposto ocorrendo para o campo visual esquerdo de cada olho, que cruzam para o hemisfério direito. O chamado córtex somato-sensorial reage aos sentidos do tato. Essa região localiza-se no lobo parietal, atrás da fissura de Rolando (Figuras II.1.2 - 1 e II.1.2 - 3 ) As sensações oriundas do lado direito do corpo são tratadas pelo córtex sensorial esquerdo e vice-versa. A resposta combinada a essas e outras sensações - a ação correspondente - é controlada por outra região, a do córtex motor, localizado no lobo frontal, na frente da fissura de Rolando (Figura II.1.2 - 1). Existem correlações específicas entre partes do córtex motor e diversos músculos do corpo. O córtex motor direito controla o lado esquerdo do corpo e o córtex motor esquerdo, o lado direito.

Figura II.1.2-3 - Zonas (ou níveis) do córtex motor e do córtex sensorial

Dá-se o nome de primárias àquelas regiões funcionais que estão ligadas, diretamente, com a entrada de dados no córtex visual, córtex auditivo e córtex somato-sensorial ou, diretamente, com a saída de dados do córtex motor. Entretanto, sob o ponto de vista sistêmico, a saída ("output") não é mais de dados isolados e miméticos dos dados de entrada. Existe uma "caixa preta", onde esses dados são processados em informações e que está sob constante policiamento de um mecanismo regulador. A regulagem (feedback) precede e acompanha, simultâneamente, a saída comandada pelas regiões primárias do córtex. A "caixa preta" compreende as regiões ditas secundárias e terciárias do córtex. As regiões terciárias do córtex são englobadas no que se chama de córtex associativo, que perfaz a maior parte do cérebro. A próxima seção vai ilustrar a operação integrada dessas regiões.
II.3 - Do Estado de Vigília à Ação
Para melhor entendermos o funcionamento do sistema cérebro junto com seus níveis hierárquicos - primário, secundário e terciário - vamos tomar emprestado um exemplo descrito pelo Dr. Richard Restak (op.cit, pp. 35-45):
"Ao ler estas linhas, o leitor deve permanecer acordado. Tanto a leitura, quanto qualquer outra atividade cerebral consciente, se dá durante o estado de vigília. A vigília depende de uma determinada formação no "tronco cerebral" denominada formação reticular (Figura 3)", uma compacta rede de pequeninas células densamente empacotadas que se comunica com todo o sistema cerebral. "Quando um gato está dormindo sua formação reticular está em repouso, mantendo um nível mínimo de atividade e que pode ser registrada eletronicamente. Se seu dono o chama pelo seu nome, uma onda de excitação atinge, inicialmente, a formação reticular. Dai ela se espalha para níveis superiores, afetando primeiro as áreas auditivas do cérebro e, em seguida, se propaga até o córtex motor (lobo frontal)." O resultado é o gato acordar. "Os impulsos podem ser transmitidos ao longo da formação reticular em ambos os sentidos. Ela é um dos caminho de passagem entre as percepções do mundo externo e o cérebro, e entre o cérebro (por exemplo, um pensamento gerado no córtex) e o resto do corpo." "A formação reticular é um poderoso regulador do cérebro que determina seu nível de vigília e controla a cada momento seu estado funcional." É como se ela preparasse o cérebro para receber os impulsos advindos de um estímulo. "O mal funcionamento da formação reticular, conforme observado em experências com cobaias e em pacientes com tumores ou coágulos ai localizados, pode acarretar o estado comatoso. ...sabe-se hoje(1979) que a formação reticular é mais importante que o córtex como reguladora do estado de vigília...que consideramos como o primeiro nível de unidade funcional do cérebro." "Naturalmente, a leitura e compreensão deste texto requer mais do que simplesmente o estado de vigília. Na medida que você prossegue na leitura desta sentança, é o grau de vígilia que vai lhe possibilitar a detecção da sentença mal soletrada. Essa sua habilidade em perceber o significado da palavra, entretanto, já depende de um segundo nível de organização funcional: recepção, análise e armazenagem de informação. Isso exige tarefas mais específicas do que, apenas, permanecer acordado."
Enquanto que a formação reticular está localizada no tronco cerebral, a capacidade informacional do cérebro está contida no córtex. As partes do cérebro envolvidas com essas tarefas mais complexas comprendem as regiões primárias, secundárias e terciárias do córtex somato-sensorial, córtex visual e córtex auditivo. Para ilustrar, vamos ver o que se passa com a visão.
"A visão depende dos impulsos transferidos ao longo do nervo ótico até as células analisadoras da região primária do córtex visual. Outro grupo de células se agrupam numa região vizinha, a região secundária, e é responsável pela organização daquilo que se vê em um padrão visual significativo. Um terceiro grupo de células coordena e associa o que se vê e ouve dentro de uma única percepção conjunta. Quando primeiro vislumbramos alguém que, ao longe, caminha em nossa direção, somos capazes de reconhecer sua forma à distância. Posteriormente, ao se aproximar, ele pode nos chamar e reconhecemos sua voz. Nesse instante a rede neurônica, responsável pela visão e pela audição, é coordenada pela região terciária e nos transmite uma percepção compostaque dá a idéia de "um amigo". "Como já mencionamos, a leitura deste capítulo requer um estado de vigília e a capacidade de receber, processar e arquivar informação para posterior recuperação e uso. Entretanto, o processo mental raramente se restringe a essa simplicidade."
Talvez nesse ponto da leitura, você ache o assunto monótono e comece a considerar a possibilidade de avançar algumas páginas. Isso seria uma reação crítica e poderia "  resultar em uma série de ações, tais como virar as páginas ou verificar o índice. Ao agir dessa maneira, você estará engajado no terceiro nível de funcionamento cerebral: a ação voluntária do desejo."
Foi essa ação que o(a) fez se decidir pela leitura deste livro. O desenvolvimento desse tipo de ação é organizado pelo córtex motor, que também está, hierarquicamente, subdividido em três regiões. A região primária representa o canal de saida final do cérebro para o músculos do corpo. Antes da saída pela região primária, que é a executora de um determinado programa, os impulsos são programados e coordenados pela região vizinha, chamada de pre-motora, possibilitando-se, assim, um resultado sequencial harmônico, e não, movimentos desajeitados e desorganizados.
"Mas, para todo programa se faz necessário um programador".  Essa função é exercida pelos lobos prefrontais, na região terciária, que possuem um papel marcante e decisivo na tomada de decisões e regulagem dos mais complexos comportamentos do ser humano. Esse "programador" recebe elementos e informações, para montar seu programa, através das regiões terciárias do corte sensorial, já mencionadas quando lidamos com osegundo nível funcional do cérebro (córtex somato-sensorial, córtex auditivo e córtex visual). "Os lobos prefrontais ...representam uma superestrutura que energiza todas as outras partes do córtex e é um regulador geral do comportamento." Quando lidamos com o estado hipnótico notamos que é o senso crítico dessa parte do córtex motor que traduz a resistência do indivíduo em se deixar hipnotizar. "Se tivéssemos que representar o lobo prefrontal com uma única palavra, esta seria propósito ou intenção. O comportamento com objetivo é algo que se perde com a danificação do lobo prefrontal." Lesões destrutivas nessa área resultam em um indivíduo sem iniciativa, apático, abúlico, distraído, ligado apenas ao trivial, sem preocupações com eventos passados ou com o futuro. Resumindo a descrição do Dr. Restak, o sistema conjugado mente/cérebro pode ser visto como o funcionamento acoplado de três níveis operacionais: vigília ou alerta, processamento de informação e ação. Cada forma de atividade consciente depende, não só da ação combinada dessas três unidades funcionais, como também da interação harmônica entre outras sub-unidades do cérebro. Vejamos o que se passa em detalhe com uma simples atividade, por exemplo, o movimento do polegar direito; o movimento, antes de ser iniciado, é precedido por um estímulo que afeta, simultaneamente os três centros motores do cérebro, em ambos os hemisférios: o córtex motor, os gânglios basais e o cerebelo. Esse estado é denominado de "estado de prontidão" pelo Dr. H. Kornhuber (apud Restak, p. 243), e ocorre a oito décimos de segundo antes do movimento do dedo. A apenas noventa milésimos de segundo do movimento é que o estímulo se concentra na área motora esquerda do córtex motor. Podemos concluir que o estado deprontidão afeta o cérebro como um todo, e que as ações específicas dos três centros motores são interdependentes e participantes de uma comunicação global do cérebro. A atividade mental toma, assim, a qualidade de um processo dinâmico. Em tal modelo, o todo funcional é maior do que as funções das partes isoladas.
II.4 - Arqueologia do Cérebro
Como intrigante manifestação da evolução, o cérebro humano pode ser visto como um sítio arqueológico, conforme proposto pelo Dr. Paul MacLean (apud Restak, 1979)

Figura II.4-1 - Hirarquia dos três principais tipos de cérebro que, através da evolução, passaram a fazer parte de noss herança bilógica.

O córtex cerebral compreende a camada exterior e está bem desenvolvida nos primatas, atingindo um nível de maior complexidade nos seres humanos. As camadas mais profundas contêm estruturas reminiscentes de nossos ancestrais evolutivos, mamíferos e répteis. Nessa tópica, o cérebro reptiliano (Complexo-R ou archipallium) seria o repositório de uma série de comportamentos humanos pré-programados e que independem do aprendizado. Parte dos gânglios basais pertenceriam a esse núcleo primitivo. Envolvendo o Complexo-R, desenvolveu-se o chamado sistema límbico (ver também Figura II.1-1), que representa uma subdivisão funcional, englobando partes dos lobos frontais do telencéfalo, partes do tálamo e hypotálamo, parte dos gânglios basais (as amígdalas) e o hipocampo.
O sistema límbico corresponde à camada intermediária, também denominada de palomamífera, paleopallium ou rinencéfalo, este último termo referindo-se à uma de suas funções primitivas, a do olfato, que é bem mais especializada em outros mamíferos que não o homem. O aparecimento do sistema límbico na escala evolutiva proporcionou que o animal se emancipasse dos comportamentos estereotipados, permitindo algum aprendizado e, como um sistema unificado mais complexo, introduziu o que podemos nos referir, em linhas gerais, como emoção...não controlada. Esse sistema regula parte das descargas hormonais, a temperatura do corpo, os centros "de prazer e recompensa" que permitem a aquisição de reflexos condicionados e, através do hipocampo, a memória. Danos no sistema límbico levam o indivíduo a um estado de extrema docilidade, quase de idiotia. Diversos "impulsos" vitais para a sobrevivência da espécie são ai controlados: caça, luta, fuga e atividade sexual. Essa arqueologia situa aquilo que erroneamente se chama de "natureza humana", como algo herdado dos mamíferos inferiores. Nessa expressão se colocam todas as atividades ditas "animalescas" do ser humano. Entretanto, o Homem, com o aparecimento do neocórtex, passou a desenvolver uma nova natureza em sua mente - a natureza que decorre das inúmeras possibilidades da atividade consciente. O gênero Homo surgiu há apenas 2 milhões de anos e, certamente, já registrava uma consciência primitiva. O "Homo sapiens" evoluiu há 300.000 anos, mas até 40.000 anos atrás sua fronte e, por conguinte, o neo-cortex, não estava ainda bem desenvolvida. Em contraste, carregamos conosco uma herança genética de cérebros de animais inferiores com centenas de milhões de idade. Nas próximas seções, vamos examinar diversas atribuições dessa nova atividade mental - a Consciência.

sábado, 11 de setembro de 2010

Alotriosis (Alotriose)

VI - Alotriosis (Alotriose)

A noção de Alotriose foi desenvolvida em conjunto com a psicanalista Mônica Tolipan, ao longo de intermináveis noitadas etílico-cerebrais em 1992. A Dra. Tolipan, em seu livro Uma Presença Ausente  fez uso do termo de forma algo distinta daquela aquí discutida em sua forma original. Mas ambas as semânticas se aproximam. O termo foi garimpado na obra Greek Philosophical Terms, de F. E. Peters (New York University Press, 1974).
ALOTRIO
      Figura 6-1: Posição de eqüilíbrio Psico-Orgânico promovido pela resultante das forças das pulsões. A tendência natural é impelir o ser-vivo à graus maiores de entropia, a potenciais energéticos mais baixos. O ser humanos se eqülibra entre a tendência de retorno à condição inorgânica (pulsão de morte) e a tendência de retorno à condição de animal inferior (pulsão de não-fala).
Antes de desenvolver o conceito, vamos rever brevemente as noções Freudianas de pulsão de vida e de pulsão de morte, e examinar suas relações com a entropia, essa Lei maior e anterior mesmo à criação do mundo orgânico.

CAVEIRA Pulsão de Vida - Pulsão de Morte - Entropia
    Na visão de Freud, "Como produto de considerações teóricas apoiadas na Biologia, nós assumimos a existência de um instinto de morte, cujo objetivo é o de redirecionar a matéria orgânica de volta ao estado inorgânico." (Freud, 1923, pp. 708-709), enquanto que Eros vem produzir "uma inacreditável coalescência entre as partículas...possibilitando assim a manutenção da vida."(p. 709). Para Freud , o aparecimento da vida tem causa igual a da manutenção da vida e do impulso em direção à morte. "Nessa visão, o processo fisiológico específico de anabolismo/catabolismo estaria associado a essas duas classes de instinto; ambos os instintos estariam ativos em todas as partículas das substâncias vivas" (Freud, op. cit., p. 709). Freud utiliza os conceitos de prazer e de dor da obra de G. Th. Fechner "Einige Ideen zur Schöpfungs- und Entwickelungsgeshichte der Organismen, 1873, p. 94 "(4), porque esses "conceitos são idênticos àqueles que nos foram revelados pela prática psicanalítica." (Freud, 1920, p. 639). Para Fechner e, portanto, para Freud, a vida é governada por um princípio da manutenção do eqüilíbrio entre esses dois instintos. Nas palavras de Fechner "qualquer movimento psicofisiológico que se encaminha para esse eqüilíbro é acompanhado de prazer..., ou por dor, se o movimento é em direção contrária e atinge determinado limite."(apud Freud, 1920, p. 639).
    Fechner, em 1873, emprega o termo eqüilíbro em um mimetismo às avessas da 2a Lei da Termodinâmica, sobre a Entropia, termo este primeiramente definido pelo físico alemão contemporâneo, Rudolf Clausius, em 1865. Os processos naturais, digamos, físicos, se dão em direção à desordem, isto é, ao eqüilíbro termodinâmico. Se eu coloco água quente em um recipiente com água fria, o sistema tenderá naturalmente ao eqüilíbrio, a um aumento de entropia do sistema, e o resultado é a homogeneização em uma temperatura média. Se eu dispuser em uma caixa, camadas de bolas brancas alternadas com camadas de bolas vermelhas, essa organização, essa ordem, reflete um estado relativo de baixa entropia. Ao sacudir a caixa, a tendência natural é no sentido de que as bolas brancas e vermelhas se misturem desordenadamente. O sistema assim homogeneizado possui entropia mais elevada que o sistema ordenado em camadas. A manutenção da vida é, portanto, uma luta constante para se distanciar desse eqüilíbrio imposto pela Lei da Entropia. A entropia quer desorganizar, e a Vida quer organizar. A entropia faz doer, e a busca pela Vida traz prazer. Não é por menos que Freud calcou o seu princípio do prazer em uma não-dor. Assim, o chamado eqüilíbrio das pulsões, representa um eqüilíbro psíquico para evitar, ou adiar, o eqüilíbro termodinâmico com o meio-ambiente físico. "Se é verdade que a vida é governada pelo princípio de Fechner sobre o eqüilíbrio constante, então ela é uma descida constante em direção à morte; contudo, a queda é retardada na medida que novas tensões são introduzidas pelo clamor de Eros através do instinto sexual e devido às necessidades instintivas." (3)(Freud, 1923, p. 711). A vida é parte dessa dialética de dois instintos, regidos que são por duas regras maiores e que têm o estatuto de Leis. Vamos chamá-las de Leis Orgânicas Vitais.
    A Primeira Lei Orgânica é a própria Lei da Entropia, a seta do tempo, que regula todos os processos naturais em uma condição de irreversibilidade, tendendo sempre à desordem progressiva. A entropia, como lei cósmica primordial, açambarca tanto o mundo físico (inorgânico) quanto o mundo orgânico. No mundo mental orgânico ela é decodificada pelo instinto de morte (ou pulsão de morte, para o homem).
    A Segunda Lei Orgânica pode ser enunciada em um páragrafo único: "Não pode não-viver e há que manter a vida". O cumprimento dessa lei requer um suprimento constante de energia para o interior do sistema vivente. O alimento, e a defesa na iminência do perigo constituem os dois fatores primordiais na manutenção da vida individual, enquanto que o instinto sexual leva à preservação da espécie - da linha filogenética. Pensemos na Primeira Lei Orgânica como um rio, com margens escarpadas, que desemboca em uma cachoeira, por onde suas águas caem para um nível inferior. Essa caida para um nível de energia potencial mais baixa, para uma altitude menor, representa a tendência ao eqüilíbrio. É esse desnivelamento que faz funcionar a correnteza do rio, ou seja, no nosso exemplo, a regra por trás da lei. A Segunda Lei Orgânica poderia ser representada pelo organismo situado no centro do rio e que tem que se manter distante da cachoeira - distante da morte. Não há como escapar pelas margens - a imortalidade. O ser, para se manter vivo no interior desse campo de força inextingüivel, deve exercer um esforço contínuo em sua luta contra a correnteza. Mas a vida acaba por sucumbir ao poder da Primeira Lei, a qual pode ser burlada, apenas, temporariamente. E o ser humano? Serão somente essas duas as leis que regulamentam sua essência?
    Na próxima seção vamos ver que a evolução introduziu novas pulsões vitais nessa nova espécie que é o Homo sapiens sapiens. SQGOLD  LIPS Pulsão de Não-Fala Vamos nos aproximar da noção de Alotriose partindo de seu contrário. Talvez Freud tenha tomado emprestado alguma coisa dos epicuristas da Grécia antiga, para quem a exaltação do prazer (hedone) tomava como ponto de partida os já reconhecidos impulsos instintivos e naturais do homem. Os estóicos utilizaram o mesmo ponto de partida em sua ética, mas acrescentaram que não era o prazer que era primordial, mas aquilo que eles chamaram de oikeiosis(2), ou seja, a autopreservação, autoconservação, ou autoapropriação. Contudo, estamos mais interessados na noção oposta, alotriose (allotriosis), que significa autoalienação. A noção de alotriose se aproxima da noção de alienação, dela se diferençando pelas implicações do prefixo allo, e pelas atribuições ligadas às suas manifestações. A alotriose é um fenômeno que vai se manifestar através do que chamaremos de pulsão de não-fala:
      Essa pulsão, categorizada como semelhante ao instinto, é um fator inato de comportamento do homem, e se caracteriza pela presença de campos geradores de atividades elementares e automáticas, inconscientes, mas com finalidade precisa de tentativa de retorno à condição animal pré-humana, ou seja, ao estágio do ser-vivo não-falante. Está aí o cerne de nossa definição.
    A alotriose é parte da herança biológica (e psicogenética) herdada dos animais inferiores (não-falantes), após o salto evolutivo que produziu o ser falante. Tal como os outros instintos humanos, a pulsão de não-fala pode ser parcialmente acessível ao controle consciente. Ela se opõe à pulsão de fala, vista no capítulo anterior, da mesma forma que o instinto de morte se opõe ao instinto de vida (ou o Eros freudiano). Pulsões de fala e não-fala são atividades antagônicas, mas complementares e que, juntas, constituem uma única unidade - divisível, mas inseparável. A manifestação de uma implica na existência da outra. Os diferentes graus de manifestação e preponderância desta ou daquela pulsão, vão caracterizar o comportamento de cada indivíduo. Não existe pulsão de fala sem pulsão de não-fala, e vice-versa, tal como a síntese Hegeliana não pode prescindir de seus elementos geradores - tese e antítese; o mesmo ocorre no embate dialético das pulsões de vida e de morte. Poderíamos mesmo nos referir ao ser vivo, como um morto-vivo, onde cada incremento de vida o aproxima mais da morte; ou ao homem, como um mudo-falante (mudo no sentido do mutismo do animal inferior) onde, subjacente à sua fala, existe um campo de atração que o atrai de volta à condições pré-humanas de não-fala. Esses mecanismos paradoxais fazem parte da essência do comportamento humano. Essa essência é consubstanciada pela comunhão de um viver com um falar. No Capítulo 3 (ainda não inserido) escolhemos como a melhor expressão para a lei do falante(1), o que seria um enunciado tipicamente Lacaniano:
    "Não pode não-falar"
    Ora, uma Lei só é instituida quando surge a necessidade de se manter determinada ordem. A infração à lei, implica em desordem e, a respeito da lei do falante, essa desordem é traduzida por uma não-fala (A Alienação), como expressa seu enunciado: "Não pode não-falar". Daí vem nossa proposta em eleger esse não-falar à categoria de pulsão inata. O seu oposto, o que denominamos de pulsão de fala, nada mais é senão a própria tradução da lei. Resumindo, a pulsão de fala traduz a lei do falante, e a pulsão de não-fala, a sua infração, ou seja, a punição em caso de descumprimento da lei. A punição é a Psicose. Seguindo esse raciocínio, poderíamos até dizer que a pulsão de não-fala, traduz uma outra lei, anterior, uma lei dos animais inferiores, que seria enunciada como: "Não pode falar". Entretanto, preferimos não estatuir essa função como lei vigente no mundo não-falante por não encontrarmos uma tensão oposta que exija sua enunciação. Já no universo do falante, a herança da não-fala vai criar, ela própria, uma tensão oposta à lei que institui a fala. A pulsão de não-fala está implícita em Freud, Lacan e em toda a psicoterapia analítica pós-Freudiana, só que travestida de outros significantes, tais como: o desejo de retorno ao primitivo, o desejo de retorno ao ventre materno, a busca do objeto perdido, a busca do objeto "a", o Phalus (em outras instâncias, o termo Phalus designa a propria Lei), o seio materno, o estado narcísico, etc...). Ao introduzirmos o conceito de alotriose, com manifestações provocadas por um impulso, ou seja, por uma pulsão que atrai o falante para não falar, estamos propondo identificar e revelar o mecanismo fundamental, original, inerente e natural por trás de todas as diferentes versões acima mencionadas. O "seio materno", a "busca do objeto perdido", etc..., são formalizações de caráter mais ou menos abrangentes, mas sempre casuísticas. A alotriose está na raiz estrutural sobre a qual se desenham essas diversas formas de expressão, ou melhor, de não-expressão. SQGOLDFootnotes (1) Esse conceito recebe diversas designações, segundo Lacan: Nome-do-Pai, O Phalus, A Lei, a Ordem do Significante, a Inserção do Simbólico, Estatuto do Sujeito, etc...(ver Capítulo 3) (2) Definições retiradas da obra de F. E. Peters: "Termos Filosóficos Gregos - um léxico histórico", 1977, p. 169. (3) Achamos que Freud coloca duas classes distintas de efeitos dentro de uma mesma categoria, o que pode levar a uma certa incompreensão de seu raciocínio; seu instinto de morte, enquanto decorrente da entropia, tem um estatuto de Princípio, assim como o "peso" de algo é a resultante de um campo gravitacional - da mesma forma, a deterioração do orgânico é resultado de um campo entrópico. O seu instinto de morte, enquanto instinto destrutivo (Freud coloca o sadismo como um de seus representantes (1923, p. 708)), já pertence a uma categoria distinta, esta sim, com a função de instinto. Uma resulta de um campo externo ao organismo, e a outra é derivada a partir de um campo interno do organismo. (4) Tradução: Algumas Idéias sobre a Gênese e Evolução do Organismos
      OBSERVAÇÃO: As citações de números de páginas da obra de Freud, referem-se à tradução inglesa do Vol. 54 - Great Books, 1952/Enciclopédia Britânica.
       
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