terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Cérebro e a Mente (Função, Fala e Grámatica Universal)

II.1 - O CÉREBRO HUMANO – Função, Fala e Gramática Universal
O cérebro humano é realmente um órgão notável, já que é constituído de bilhões de bilhões de células nervosas que estã diariamente morrendo e sendo substituídas em grande número, mas ainda a maioria de nós mantém a sua função coerente em toda a nossa vida. Entretanto, há duas visões radicalmente opostas sobre o que é essa função. A primeira e mais conhecida é que o cérebro é um gerador de pensamento, e sua capacidade de funcionar como tal tem se desenvolvido de forma incremental e, acidentalmente, durante bilhões de anos, na forma descrita na teoria de Charles Darwin da evolução. A segunda visão é apresentada no trabalho de diversos físicos, filósofos, cientistas etc,, aí incluindo Freud, que advogam que a função primária do cérebro não deve ser de um gerador de pensamento, mas um órgão de percepção, e que o que se percebe é o “interior” espiritual, ou psíquico, que seria o que o pensamento realmente é, uma proposta que já há poucas décadas começa a ser confirmada pela Física Quântica.
Na perspectiva materialista, a função do cérebro (mente) é análoga ao de um computador, e mesmo que o cérebro seja imensamente complexo, os desenvolvimentos recentes no campo da inteligência artificial (IA) tem convencido muitos de que em breve ele se tornará obsoleto, e que essa obsolescência finalmente será extendia à própria humanidade. (Veja Christopher Dowden: “Last Flesh”, Harper / Collins, Toronto, 1998). Há aspectos da pesquisa moderna do cérebro, no entanto, que sugerem que isso pode não ser o caso, e que nós mal começamos a entender a verdadeira função do cérebro. Importante a este respeito tem sido o trabalho do neurologista Karl Pibram, da Universidade de Stanford, cujo estudo sobre como as memórias são armazenadas no cérebro o levou a postular que a mente opera sobre uma base holográfica onde “o todo está presente em cada parte, e sugerindo que o repositório da memória real não estão nas células nervosas, mas em algum lugar fora do cérebro”. Tal conclusão se une ao trabalho dos físicos Alain Aspect e David Bohm que postulam um fundo holográfico para todo o universo físico. (Ver The Universe as a Hologram), e também sugere que a descrição de Rudolf Steiner da função cerebral pode muito bem ser a verdadeira. Como isso pode afetar a possibilidade de trabalho de Noam Chomsky?
Um dos grandes mistérios da compreensão humana, o que tem intrigado muitas das maiores mentes do século XX, incluindo Albert Einstein, tem a ver com a maneira pela qual o pensamento projeta em si a realidade externa. A citação a seguir descreve esse problema aparentemente insolúvel:
"Nenhum cientista trabalhando hoje pode negar que a estética, algo que é puramente um produto da realidade interior da nossa consciência, também nos fornece um mapa para descobrir a realidade fora do universo. Mas por que isso acontece? ... Ou, como o biofísico de Yale, Harold Morowitz colocou, por que é que, quando nós trabalhamos com a segunda lei de Newton sobre o movimento pela primeira vez, temos o sentimento de um retorno a um conhecimento primordial ?"... Como Einstein escreveu em 1921, “Aqui surge um enigma que tem perturbado os cientistas de todos os períodos. Como é possível que a matemática, um produto do pensamento humano, que é independente da experiência, se encaixa tão perfeitamente os objetos da realidade física? pode a razão humana, sem a experiência, descobrir por puro pensamento as propriedades de coisas?”.

O memorável físico húngaro Eugene Wigner concluiu que a estrutura da matemática e a estrutura do universo físico são perturbadoramente semelhantes. Wigner estampou em seu trabalho uma citação do falecido filósofo Charles Pierce “que existe algum segredo aqui que ainda precisa ser descoberto". (Citado por João Cafferky em “Evolution as Hand: Searching for the Creator in Contemporary Science”. East End Books, Toronto, 1997, p 17.
“A resposta de Rudolf Steiner para esse problema é simples e reveladora. O pensamento mapeia tão bem a realidade externa, porque, em sua essência, ele é própria realidade. No decurso da nossa evolução, a consciência humana desenvolveu-se a partir de um estado inicial inconsciente de profunda “participação” na interioridade da natureza, que ainda encontramos hoje no reino animal, para a uma alienação progressiva da natureza. Esse “isolamento” permitiu o desenvolvimento do individualismo, tornando assim possível a liberdade humana. A Natureza, ele nos diz, ainda vive em nossa consciência, mas não da maneira vital e poderosa de outrora. A maré da realidade interior vital da natureza retrocedeu completamente de nossa mente consciente, e deixou apenas o seu esqueleto remanescente, por assim dizer, nas margens da consciência humana, e esse remanescente esquelético é o que chamamos de “lógica”” (Don Cruse).
Cruse prossegue, “como Steiner descreve o ato de cognição, o mundo vem a nós não apenas uma direção, como tem sido assumido no materialismo filosófico, mas a partir de duas direções opostas. A percepção sensorial é algo único para cada indivíduo. Contudo, a percepção sózinha não traz consigo o seu conteúdo conceitual, e sem esse conteúdo o mundo permanece sem sentido para nós”.
Como melhor assinalou Freud (em o Ego e o Id), as coisas tornaram-se conscientes para o ser humano através de suas imagens verbais, do signo linguístico.
((1) As citações entre-aspas, sempre que não especificadas, referem-se à obra do psicobiologista, Dr. Richard Restak, 1979)
O cérebro humano é representado pela parte do sistema nervoso que está circunscrita pelo crânio. Ele regula (ou serve de via para) o pensamento, a memória, o juízo, a identidade pessoal e outros aspectos do que é comumente chamado de mente. O cérebro controla as atividades do corpo humano, incluindo, entre outras, a temperatura, a pressão sanguínea e todo o funcionamento dos órgãos internos, possibilitando que o corpo mantenha seu eqüilíbrio com o meio-ambiente. Clássicamente, seriam quatro as disciplinas médicas que estudam o cérebro humano: neurologia (neurofisiologia), neurocirurgia, psicobiologia e psiquiatria. Não é de nosso intuito, e muito menos de nossa competência, um estudo aprofundado do cérebro humano. Ao nos propormos a realizar o atual trabalho, verificámos ser a linguagem o elemento de intersecção entre a mente e o corpo, entre o psíquico e o somático. Dessa forma, se fez necessário um mínimo de conhecimento das funções cerebrais, bem como das estruturas lógicas do pensamento e da linguagem, para que se pudesse discutir essa intersecção. Para minimizar o pretensioso de nossa proposta, pensemos na dona-de-casa que, não sendo uma estudiosa de matemática, reconhece que o aprendizado das operações elementares de soma e subtração vão lhe proporcionar um melhor entendimento de algumas de suas tarefas, p.ex., comprar algo no mercado. Inicialmente, vamos tentar abolir da discussão a impossível dualidade mente-cérebro. O filósofo Gilbert Ryle (apud Restak, 1979, p. 19) descreveu o dilema mente-cérebro como o "mito do filósofo", baseado no que ele chamou de "erro de categoria". São duas categorias distintas, e não, duas "coisas" de uma mesma categoria. Parafraseando Restak (op.cit.), imaginem a seguinte cena: eu me proponho a mostrar o Governo para uma criança de quatro anos de idade. Para tanto, levo-a até Brasília onde, no primeiro dia realizamos um tour pelo Palácio da Alvorada, sede do Executivo; no segundo dia visitamos o Congresso Nacional - a Câmara e o Senado e, no terceiro dia, ela é apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Nesse ponto a criança, já impaciente, questiona " - Mas, onde está o Governo? Eu ví o Congresso, o Palácio da Alvorada e o Superior Tribunal Federal, mas não ví o Governo." Ryle explicaria que a surpresa da criança resultou de um erro de categoria da proposta inicial. A criança viu coisas, enquanto que o Governo não é para ser visto da mesma forma, pertencendo a uma outra categoria totalmente diversa, uma super-categoria que descreve a interação entre as outras três. Comparativamente, o cérebro pode ser dissecado, estimulado elétricamente, etc..., que a mente vai permanecer tão elusiva quanto ao "governo" que o menino de quatro anos não viu em Brasília. Embora vários pesquisadores considerem ambos, cérebro e mente, como processos (p.ex. Restak, op.cit), preferimoscolocá-los em categorias distintas.
O cérebro humano seria, então, um órgão necessário para manifestação da vida e da mente, esta, sim, representativa de um processo. Essa manifestação se dá pela regulagem das funções orgânicas e de nossas ações, e pela consciência que temos do mundo que nos cerca e do nosso mundo "interior". Com algumas poucas restrições, em analogia com o computador, o cérebro estaria no lugar do hardware, do equipamento, e a mente seria representada pelo software básico, pelo programa básico. O programa - a mente - consiste de uma série de códigos, que resultam em comandos destinados à realização de alguma operação, alguma tarefa. Esses códigos organizados compreendem, no computador, a linguagem da máquina - chamada de Assembler, que se correlacionaria, na mente, com o que chamamos linguagem humana. Essa linguagem humana, que seria, vulgarmente, a própria linguagem, obedeceria a uma "gramática universal" (Chomsky, 1972, 1975, 1977; Restak, 1979), a um sistema de regras comuns a todas as línguas da humanidade.
A Gramática Universal postula, entre outros, que é inerente à mente humana a estrutura da frase significante composta de um Sujeito e um Predicado.  As Línguas primitivas, "a Língua Portuguesa, a Língua Inglesa, etc..., estariam para a Linguagem, assim como o Fortran, o Basic, etc..., estariam para o Assembler. Seriam traduções do código primordial, artifícos idiomáticos empregados pelo programador (ser humano) para acessar o computador (o cérebro) e realizar determinado programa (atividades da mente e do corpo)". Esse assunto será tratado extensivamente no Capítulo IV, sobre PsicoSintaxe. Para completar nossa analogia, devemos colocar como parte integrante do cérebro (do hardware) todos os elementos físicos e químicos ai existentes (fluxo sanguíneo com suas substâncias e elementos químicos; neurotransmissores, que são substâncias químicas promotoras dos impulsos transmitidos pelas sinapses, etc...). Muitas vezes, vamos nos referir a "cérebro", como indicativo do conjunto cérebro-mente, tal como a referência ao termo "computador", pode significar o sistema operando como um todo: "hardware" e "software". Em outros casos, a referência, direta ou indireta, ao têrmo "cérebro", vai designar o próprio equipamento (p .ex., "lesão no lobo frontal", indica um dano em parte do "hardware"). No adulto humano, o cérebro é constituido por três partes maiores: o telencéfalo (cerebrum), o tronco cerebral e o cerebelo (alguns autores o incluem no tronco cerebral) (Figura II.1.1-1).
II.1.1 - Tronco Cerebral e Cerebelo
O tronco cerebral engloba a medula, a ponte, o mesencéfalo e o diencéfalo, servindo de eixo conectivo entre o cerebrum e a coluna vertebral. A medula localiza-se em uma das extremidades do tronco cerebral, em sua zona inferior, em forma de cauda, sendo contínua com a espinha dorsal.

Figura II.1.1 - 1 - Corte longitudinal do cérebro humano
Acima da medula desenvolve-se uma protuberância denominada ponte, que serve de ligação com a estrutura superior seguinte, o mesencéfalo (ou cérebro médio). Na outra extremidade do tronco cerebral localiza-se o diencéfalo, composto, em linhas gerais, pelo tálamo e pelo hypotálamo. No interior do tronco cerebral, um empacotamento celular em forma de rede tridimensional, conhecido como formação reticular responde pelo estado de vigíla, de alerta. Numerosas fibras nervosas ligam a formação reticular a outras partes do cérebro, formando o Sistema de Ativação Reticular (SAR). O hypotálamo é o lugar da emoção (Id freudiano) e de respostas mais imediatas aos estímulos, como intermediário entre os processos físicos e mentais: prazer, raiva, medo, apetite sexual, fome, sede, etc... O hypotálamo regula, ainda, a pressão sanguínea, a temperatura do corpo e outras funções básicas do sistema nervoso autônomo, mantendo uma influência direta sobre a pituitária, que é a principal controladora das glândulas endócrinas. O tálamo age como uma das etapas de processamento dos sentidos (exceto o olfato), como que intermediando as informações dirigidas a, ou vindas do córtex. O cerebelo coordena e controla os movimentos musculares, sendo um dos centros motores do cérebro. Tal como o cerebrum, o cerebelo também é dividido em dois hemisférios e possui uma camada intermediária de células brancas envolvidas por camadas de matéria cinzenta (neurônios). Está enervado ao córtex via núcleo talâmico e recebe impulsos aferentes de diversas partes do tronco cerebral. O cerebelo responde pelo controle preciso do corpo - regulagem, equilíbrio e delicadeza dos movimentos. "Imaginemos a arte elegante de um dançarino, a precisão fácil de um tenista profissional, o controle rapidíssimo de um piloto de corridase os movimentos seguros da mão de um pintor ou um músico; imaginemos, também, os saltos graciosos de uma gazela e a sinuosidade de um gato. Sem o cerebelo, essa precisão não seria possível e todos os movimentos se tornariam canhestros e desajeitados".  Parece, portanto, que quando aprendemos a fazer alguma coisa nova, seja andar ou dirigir carro, temos em princípio de pensar em cada ação, em detalhe, e o telencéfalo é que assume o controle; quando, porém, essa nova técnica foi dominada, transformando-se numa "segunda natureza", o cerebelo passa a controlá-la. Além disso, é experiência conhecida que, se pensarmos em nossos atos em relação a uma habilidade que foi aprendida, o controle instintivo pode ser perdido temporariamente. Pensar numa habilidade mecânica parece trazer de volta o controle cerebral e, embora uma flexibilidade de atividade seja introduzida com isso, perde-se a ação cerebelar fluente e precisa. Sem dúvida essas descrições são muito simplificadas, mas dão razoável idéia do papel do cerebelo." (Penrose, 1991, p. 421).
II.1.2 - Cerebrum
O telencéfalo (hemisférios cerebrais) é formado por três níveis superpostos: um nível superior de tecido neurônico, de cor cinza, denominado de córtex cerebral, um nível intermediário de células brancas - chamadas de células gliais (função nutriente) - e um nível inferior, sub-cortical onde, novamente, encontramos matéria cinzenta (neurônios). Esse nível é formado pelo hipocampo e pelos chamados gânglios basais, que compreendem o núcleo caudal, o putamen, o globus pallidus e as amígdalas. O hipocampo funciona como registrador de informação nova, informação essa que é armazenada no córtex para depois ser recuperada comomemória. Danos no hipocampo levariam o indivíduo a se desinteressar pela novidade, restringindo-o a uma interação monótona com o que fora apreendido anteriormente. Pelo menos em parte, estaria ai cortado um dos circuitos necessários para arquivar o aprendizado. Parte dos gânglios basais possui certa função motora. Danos nessa área podem provocar alguma rigidez muscular, piscar inconstante dos olhos e perda da expressão facial, como acontece com pacientes que são afetados pelo chamado "mal de Parkinson" (deficiência do neurotransmissor dopamina). A rugosidade do córtex é dada por um sistema de dobraduras formadas pela alternância entre partes mais salientes (giros) e os sulcos vizinhos. Às zonas de descontinuidade do córtex dá-se o nome de fissuras. A mais proeminente delas atravessa o cérebro longitudinalmente, separando-o parcialmente em dois hemisférios (esquerdo e direito). Na base dessa fissura os hemisférios são conectados por uma banda de fibras nervosas denominada corpo caloso, também designado de "a grande comissura cerebral" (Restak, 1967). Duas outras fissuras se destacam: a fissura de Sylvius, ou fissura lateral, e a fissura de Rolando, ou fissura central (Figura II.1.2-1).

Figura II.1.2-1 - Lobos, fissuras e os lugares de fala.

Cada hemisfério está sub-dividido em lobos: o lobo frontal se extende da parte anterior do cérebro até o sulco central; o lobo parietal localiza-se por trás da fissura central e acima da fissura lateral, e o lobo temporal compreende a região que está abaixo da fissura lateral. O lobo occipital vai ocupar a parte posterior do cérebro. O lobo olfativo (rinencéfalo) forma a superfície inferior do cérebro. Diversas partes do córtex estão associadas a funções específicas. O córtex visual é uma parte do lobo occipital e o córtex auditivo uma parte do lobo temporal. Cada um dos hemisfério ocupa-se com sentidos e movimentos do lado oposto do corpo, exceção feita para o olfato. O movimento do braço direito é controlado pelo hemisfério esquerdo, e o do braço esquerdo é controlado pelo hemisfério direito. Os sistemas nervosos aferentes e eferentes se cruzam de um lado para o outro antes de entrarem ou saírem do córtex. Com a visão passa-se algo um pouco distinto, pois, por exemplo, o hemisfério esquerdo não controla o olho direito, mas sim, o campo visual direito de cada um dos olhos. Os nervos que saem do lado direito da retina de cada olho vão estar ligados ao córtex visual, do lado esquerdo do cérebro, o oposto ocorrendo para o campo visual esquerdo de cada olho, que cruzam para o hemisfério direito. O chamado córtex somato-sensorial reage aos sentidos do tato. Essa região localiza-se no lobo parietal, atrás da fissura de Rolando (Figuras II.1.2 - 1 e II.1.2 - 3 ) As sensações oriundas do lado direito do corpo são tratadas pelo córtex sensorial esquerdo e vice-versa. A resposta combinada a essas e outras sensações - a ação correspondente - é controlada por outra região, a do córtex motor, localizado no lobo frontal, na frente da fissura de Rolando (Figura II.1.2 - 1). Existem correlações específicas entre partes do córtex motor e diversos músculos do corpo. O córtex motor direito controla o lado esquerdo do corpo e o córtex motor esquerdo, o lado direito.

Figura II.1.2-3 - Zonas (ou níveis) do córtex motor e do córtex sensorial

Dá-se o nome de primárias àquelas regiões funcionais que estão ligadas, diretamente, com a entrada de dados no córtex visual, córtex auditivo e córtex somato-sensorial ou, diretamente, com a saída de dados do córtex motor. Entretanto, sob o ponto de vista sistêmico, a saída ("output") não é mais de dados isolados e miméticos dos dados de entrada. Existe uma "caixa preta", onde esses dados são processados em informações e que está sob constante policiamento de um mecanismo regulador. A regulagem (feedback) precede e acompanha, simultâneamente, a saída comandada pelas regiões primárias do córtex. A "caixa preta" compreende as regiões ditas secundárias e terciárias do córtex. As regiões terciárias do córtex são englobadas no que se chama de córtex associativo, que perfaz a maior parte do cérebro. A próxima seção vai ilustrar a operação integrada dessas regiões.
II.3 - Do Estado de Vigília à Ação
Para melhor entendermos o funcionamento do sistema cérebro junto com seus níveis hierárquicos - primário, secundário e terciário - vamos tomar emprestado um exemplo descrito pelo Dr. Richard Restak (op.cit, pp. 35-45):
"Ao ler estas linhas, o leitor deve permanecer acordado. Tanto a leitura, quanto qualquer outra atividade cerebral consciente, se dá durante o estado de vigília. A vigília depende de uma determinada formação no "tronco cerebral" denominada formação reticular (Figura 3)", uma compacta rede de pequeninas células densamente empacotadas que se comunica com todo o sistema cerebral. "Quando um gato está dormindo sua formação reticular está em repouso, mantendo um nível mínimo de atividade e que pode ser registrada eletronicamente. Se seu dono o chama pelo seu nome, uma onda de excitação atinge, inicialmente, a formação reticular. Dai ela se espalha para níveis superiores, afetando primeiro as áreas auditivas do cérebro e, em seguida, se propaga até o córtex motor (lobo frontal)." O resultado é o gato acordar. "Os impulsos podem ser transmitidos ao longo da formação reticular em ambos os sentidos. Ela é um dos caminho de passagem entre as percepções do mundo externo e o cérebro, e entre o cérebro (por exemplo, um pensamento gerado no córtex) e o resto do corpo." "A formação reticular é um poderoso regulador do cérebro que determina seu nível de vigília e controla a cada momento seu estado funcional." É como se ela preparasse o cérebro para receber os impulsos advindos de um estímulo. "O mal funcionamento da formação reticular, conforme observado em experências com cobaias e em pacientes com tumores ou coágulos ai localizados, pode acarretar o estado comatoso. ...sabe-se hoje(1979) que a formação reticular é mais importante que o córtex como reguladora do estado de vigília...que consideramos como o primeiro nível de unidade funcional do cérebro." "Naturalmente, a leitura e compreensão deste texto requer mais do que simplesmente o estado de vigília. Na medida que você prossegue na leitura desta sentança, é o grau de vígilia que vai lhe possibilitar a detecção da sentença mal soletrada. Essa sua habilidade em perceber o significado da palavra, entretanto, já depende de um segundo nível de organização funcional: recepção, análise e armazenagem de informação. Isso exige tarefas mais específicas do que, apenas, permanecer acordado."
Enquanto que a formação reticular está localizada no tronco cerebral, a capacidade informacional do cérebro está contida no córtex. As partes do cérebro envolvidas com essas tarefas mais complexas comprendem as regiões primárias, secundárias e terciárias do córtex somato-sensorial, córtex visual e córtex auditivo. Para ilustrar, vamos ver o que se passa com a visão.
"A visão depende dos impulsos transferidos ao longo do nervo ótico até as células analisadoras da região primária do córtex visual. Outro grupo de células se agrupam numa região vizinha, a região secundária, e é responsável pela organização daquilo que se vê em um padrão visual significativo. Um terceiro grupo de células coordena e associa o que se vê e ouve dentro de uma única percepção conjunta. Quando primeiro vislumbramos alguém que, ao longe, caminha em nossa direção, somos capazes de reconhecer sua forma à distância. Posteriormente, ao se aproximar, ele pode nos chamar e reconhecemos sua voz. Nesse instante a rede neurônica, responsável pela visão e pela audição, é coordenada pela região terciária e nos transmite uma percepção compostaque dá a idéia de "um amigo". "Como já mencionamos, a leitura deste capítulo requer um estado de vigília e a capacidade de receber, processar e arquivar informação para posterior recuperação e uso. Entretanto, o processo mental raramente se restringe a essa simplicidade."
Talvez nesse ponto da leitura, você ache o assunto monótono e comece a considerar a possibilidade de avançar algumas páginas. Isso seria uma reação crítica e poderia "  resultar em uma série de ações, tais como virar as páginas ou verificar o índice. Ao agir dessa maneira, você estará engajado no terceiro nível de funcionamento cerebral: a ação voluntária do desejo."
Foi essa ação que o(a) fez se decidir pela leitura deste livro. O desenvolvimento desse tipo de ação é organizado pelo córtex motor, que também está, hierarquicamente, subdividido em três regiões. A região primária representa o canal de saida final do cérebro para o músculos do corpo. Antes da saída pela região primária, que é a executora de um determinado programa, os impulsos são programados e coordenados pela região vizinha, chamada de pre-motora, possibilitando-se, assim, um resultado sequencial harmônico, e não, movimentos desajeitados e desorganizados.
"Mas, para todo programa se faz necessário um programador".  Essa função é exercida pelos lobos prefrontais, na região terciária, que possuem um papel marcante e decisivo na tomada de decisões e regulagem dos mais complexos comportamentos do ser humano. Esse "programador" recebe elementos e informações, para montar seu programa, através das regiões terciárias do corte sensorial, já mencionadas quando lidamos com osegundo nível funcional do cérebro (córtex somato-sensorial, córtex auditivo e córtex visual). "Os lobos prefrontais ...representam uma superestrutura que energiza todas as outras partes do córtex e é um regulador geral do comportamento." Quando lidamos com o estado hipnótico notamos que é o senso crítico dessa parte do córtex motor que traduz a resistência do indivíduo em se deixar hipnotizar. "Se tivéssemos que representar o lobo prefrontal com uma única palavra, esta seria propósito ou intenção. O comportamento com objetivo é algo que se perde com a danificação do lobo prefrontal." Lesões destrutivas nessa área resultam em um indivíduo sem iniciativa, apático, abúlico, distraído, ligado apenas ao trivial, sem preocupações com eventos passados ou com o futuro. Resumindo a descrição do Dr. Restak, o sistema conjugado mente/cérebro pode ser visto como o funcionamento acoplado de três níveis operacionais: vigília ou alerta, processamento de informação e ação. Cada forma de atividade consciente depende, não só da ação combinada dessas três unidades funcionais, como também da interação harmônica entre outras sub-unidades do cérebro. Vejamos o que se passa em detalhe com uma simples atividade, por exemplo, o movimento do polegar direito; o movimento, antes de ser iniciado, é precedido por um estímulo que afeta, simultaneamente os três centros motores do cérebro, em ambos os hemisférios: o córtex motor, os gânglios basais e o cerebelo. Esse estado é denominado de "estado de prontidão" pelo Dr. H. Kornhuber (apud Restak, p. 243), e ocorre a oito décimos de segundo antes do movimento do dedo. A apenas noventa milésimos de segundo do movimento é que o estímulo se concentra na área motora esquerda do córtex motor. Podemos concluir que o estado deprontidão afeta o cérebro como um todo, e que as ações específicas dos três centros motores são interdependentes e participantes de uma comunicação global do cérebro. A atividade mental toma, assim, a qualidade de um processo dinâmico. Em tal modelo, o todo funcional é maior do que as funções das partes isoladas.
II.4 - Arqueologia do Cérebro
Como intrigante manifestação da evolução, o cérebro humano pode ser visto como um sítio arqueológico, conforme proposto pelo Dr. Paul MacLean (apud Restak, 1979)

Figura II.4-1 - Hirarquia dos três principais tipos de cérebro que, através da evolução, passaram a fazer parte de noss herança bilógica.

O córtex cerebral compreende a camada exterior e está bem desenvolvida nos primatas, atingindo um nível de maior complexidade nos seres humanos. As camadas mais profundas contêm estruturas reminiscentes de nossos ancestrais evolutivos, mamíferos e répteis. Nessa tópica, o cérebro reptiliano (Complexo-R ou archipallium) seria o repositório de uma série de comportamentos humanos pré-programados e que independem do aprendizado. Parte dos gânglios basais pertenceriam a esse núcleo primitivo. Envolvendo o Complexo-R, desenvolveu-se o chamado sistema límbico (ver também Figura II.1-1), que representa uma subdivisão funcional, englobando partes dos lobos frontais do telencéfalo, partes do tálamo e hypotálamo, parte dos gânglios basais (as amígdalas) e o hipocampo.
O sistema límbico corresponde à camada intermediária, também denominada de palomamífera, paleopallium ou rinencéfalo, este último termo referindo-se à uma de suas funções primitivas, a do olfato, que é bem mais especializada em outros mamíferos que não o homem. O aparecimento do sistema límbico na escala evolutiva proporcionou que o animal se emancipasse dos comportamentos estereotipados, permitindo algum aprendizado e, como um sistema unificado mais complexo, introduziu o que podemos nos referir, em linhas gerais, como emoção...não controlada. Esse sistema regula parte das descargas hormonais, a temperatura do corpo, os centros "de prazer e recompensa" que permitem a aquisição de reflexos condicionados e, através do hipocampo, a memória. Danos no sistema límbico levam o indivíduo a um estado de extrema docilidade, quase de idiotia. Diversos "impulsos" vitais para a sobrevivência da espécie são ai controlados: caça, luta, fuga e atividade sexual. Essa arqueologia situa aquilo que erroneamente se chama de "natureza humana", como algo herdado dos mamíferos inferiores. Nessa expressão se colocam todas as atividades ditas "animalescas" do ser humano. Entretanto, o Homem, com o aparecimento do neocórtex, passou a desenvolver uma nova natureza em sua mente - a natureza que decorre das inúmeras possibilidades da atividade consciente. O gênero Homo surgiu há apenas 2 milhões de anos e, certamente, já registrava uma consciência primitiva. O "Homo sapiens" evoluiu há 300.000 anos, mas até 40.000 anos atrás sua fronte e, por conguinte, o neo-cortex, não estava ainda bem desenvolvida. Em contraste, carregamos conosco uma herança genética de cérebros de animais inferiores com centenas de milhões de idade. Nas próximas seções, vamos examinar diversas atribuições dessa nova atividade mental - a Consciência.

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