domingo, 3 de outubro de 2010

Neurofisiologia da Hipnose

III.1 - Neurofisiologia da Hipnose
(As citações entre-aspas referem-se a apostila do Dr. Fernando Portela Câmara, relativa a aula sobre Neurofisiologia da Hipnose, 1992, ministrada no 37o Curso de Hipnose Médica da Sociedade de Hipnose Médica do Rio de Janeiro).
"A hipnose é um estado de passividade cerebral produzido por um estimulo débil, monótono, repetido e persistente, de modo a restringir o foco da atencão do indivíduo a esse estímulo, inibindo a consciência periférica. Se o indivíduo está receptivo a aceitar e entregar-se ao procedimento, mais cedo ou mais tarde ele sera hipnotizado; caso contrário nada sucederá."
O termo Hipnose (do grego Hypnos, deus do sono) foi empregado pela primeira vez por James Braid, em 1843, mas a primeira interpretação neurofisiológica da hipnose foi a de Pavlov. Para ele, seria um fenômeno análogo ao sono, um sono parcial produzido pela irradiação progressiva de uma inibição a partir de umfroco excitatório produzido no córtex, foco esse que seria o estímulo hipnótico. Chamou a este fenômeno de indução recíproca e a este foco excitatório de ponto vigil, zona de transferência ou ponto do rapport.
"Pavlov interpretava o sono fisiológico como uma inibição cortical completa sem ponto vigil, com a inibição estendendo-se para regiões sub-corticais. Sabemos hoje que não existe irradiação inibitória do córtex. Toda inibição nervosa deve-se, pelo menos, a dois focos excitados: um deles hiperpolarizando células locais (potenciais pós-sinápticos inibitórios), tornando-o refratário a propagação de estímulos nervosos provenientes de outro foco excitado (potenciais pós-sinapticos excitatórios). Já na época de Pavlov isso começava a ser demonstrado e, posteriorrnente, comprovado pela técnica dos microeletrodos."
"Pavlov condicionava a Atividade Nervosa Superior (ANS) ao córtex cerebral, exclusivamente. Conseqüentemente, consciência, sono, vigilia, hipnose e reflexos condicionados seriam fenômenos próprios do córtex cerebral, segundo uma dinâmica de excitações e inibições . Ele não estava de todo errado, e acreditava ter a prova disto na demonstração da perda dos reflexos condicionados e da capacidade de condicionamento, in vivo, no cão decorticado de Goltz (1982). Ora, acontece que o cão de Goltz tinha seu ciclo vigília/sono conservado, e também integrava as expressões somáticas e vegetativas dos estados emocionais. Desse modo, embora o córtex cerebral seja necessário para a ANS, ele não e necessário para o estabelecimento do ciclo vigília/sono, eisto implica, mais uma vez, na inexistência de irradiação inibitória cortical. Esse fenômeno também foi demonstrado em cães decorticados preparados por Bechtrew (1898) , Dusser (1920) e Rothman (1923). Schwartz & Bickford (1956) mostraram que rãs, pássaros e mamíferos decorticados não deixavam de apresentar a reação de hipnose animal (imobilidade cataléptica de um animal após ser imobilizado em uma postura antinatural)."
A teoria da irradiação cortical continuou até a década dos anos 60 (e até hoje alguns hipnologistas adotam esta teoria), e a razão para tal foi o dogmatismo promulgado pelo Congresso Pavloviano de Moscou de 1950. Era época de culto à personalidade, especialmente intenso na antiga URSS, como forma de propaganda. Esse congresso trouxe grandes contribuições das idéias de Pavlov à medicina, tais como a sonoterapia, o parto sem dor e a psicoterapia racional. Entretanto, contribuiu muito para solididicar o dogmatismo Pavloviano estabelecido por Bykov, em detrimento da ciência neurofisiológica ocidental. Bykov, médico e cientista de grandes méritos e contribuições cierntificas, estabeleceu a doutrina córtico-visceral como fundamento da ANS, negando toda a fisiologia subcortical em avanço na época. Portanto, toda teoria cortical que ainda hoje domina certos setores de Hipnose médica, são ecos deste famoso congresso. "Por esta época, Volgyesi já havia proposto uma teoria neurofisiológica para a hipnose que evidenciava a participação de estruturas subcorticais no fenômeno, e ressaltava, também, o papel do córtex frontal. Volgyesi não aceitava a irradiação cortical como fenômeno único e, em seu lugar, propos que tal inibição dever-se-ia a uma redução, temporária e reversível, do fluxo sanguíneo em determinadas áreas de cérebro. A teoria de Volgyesi não recebeu muita repercussãodevido a ascendência da teoria Pavloviana."
"O papel fundamental da base do cérebro nos processos de sono/vigilia começou a ser demonstrado com a descoberta da função primaria da formação reticular por Magoun & Moruzzi, em 1948". Já vimos no capítulo anterior (ainda não "linkado - esperem!) como a formação reticular controla o estado de vigília. "A região pontina e mesencefálica do tronco cerebral, constituida por núcleos laterais e mediais, é intrinsicamente excitatória e constituiu o "Sistema Ativador Reticular" (SAR). A porção mesencefálica envia fibras ao córtex cerebral, dando o tônus cortical necessário a atividade cerebral. Parte dessas fibras ascendentes vai diretamente ao córtex, e parte (a maioria) faz antes sinapses nos núcleos inespecíficos do tálamo. Também o SAR origina o tônus do sistema límbico e hipotálamo, possibilitando as reações emocionais e comportamentais que são deflagradas por tais sistemas na vigilia. O córtex cerebral interage com o SAR por meio de fibras corticífugas que modulam a ação deste sistema por meio de um feedback positivo."
"A porção positiva do SAR, formada pelos núcleos reticulares positivos laterais e mediais, emite fibras descen- dentes através da medula estimulando a musculatura antigravitacional, aumentando o tônus muscular em todo corpo. Também envia fibras ascendentes ao córtex, contribuindo para a vigília, além da excitação somática global. A porção bulbar da FR (núcleos centro-mediais) tem ação inibitória sobre o tônus muscular, dando relaxamento e repouso. Essa região recebe fibras do córtex e cerebelo, além de outros sinais que disparam a inibição (por essa razão, a lesão da ponte produz rigidez e descerebração)."
O SAR é o "driving" que produz o tônus cortical, sub- cortical e somático e, por sua vez, recebe sua energia decolaterais das vias sensoriais (medulares e craneanas) ascendentes, particularmente do V par (trigêmio). Estupefacientes e narcóticos excitam ou deprimem o SAR, assim como a ansiedade e a depressão. O SAR recebe excitações do córtex, musculatura motora, sistema límbico, e medula adrenal. Amortecendo o “input” sensorial, se produz relaxamento e sonolência. Por outro lado, estímulos débeis, monótonos, repetidos e persistentes focalizam a atenção do indivíduo no estímulo, inibindo a consciência periférica a outros estímulos, produzindo a hipnose. Esse fenômeno chama-se atenção seletiva e tambem está na dependência do SAR.” "A desativação do SAR amortece a atividade hipotalâmica resultando num efeito global predominantemente parassimpático; também amortece a atividade límbica, liberando memórias reprimidas e o onirismo, e a desativação do córtex pré-frontal produz os fenômenos motores e sensorais da hipnose (analgesia/híperestesia, contratura/catalepsia, redução das funções crlticas/sugestionabilidade, etc...).
Na condição de hipnotizado, o indivíduo não está na condição de sono fisiológico, pois a hipnose não ativa o sistema hipnogênico do tronco cerebral. O EEG do sujeito hipnotizado e semelhante ao da vigília relaxada (rítmo alfa, com freqüência entre 8 e 13 ciclos por segundo), e os reflexos neurológicos encontrados no indivíduo que dorme não são encontrados no sujeito hipnotizado. O estado hipnótico, contudo, apresenta dissociação, sugestionabilidade e hipermnésia, possibilitando interação com a vida interior (subjetividade) do indivíduo.
O caráter inibitório do transe hipnótico amortece a reverberação de emoções, pensamento e afetos originados da hiperexcitação do córtex pré-frontal, sistema límbico e hypotálamo, produzindo tranqüilidade e regulação dos transtornos neurovegetativos e tensão somática reflexa. Memórias de vivências passadas e suas emoções reprimidas são liberadas, permitindo a catarse das energias afetivas inconscientes que provocam a ansiedade e os sintomas psicossomáticos.
"Na indução hipnótica o sujeito confiante no operador e suficientemente motivado, focaliza sua atenção na voz do hipnotista de modo que a consciência periférica vai progressivamente se inibindo, excluindo gradualmente qualquer outro estímulo. Nessa condição, o sistema límbico e o hypotálamo são liberados de toda excitação, tal que a ansiedade, raiva, medo, etc..., são amortecidos e o sujeito entra num estado físico e psíquico denominado hipnose. A redução dos estímulos do ambiente favorece a focalização da atenção a qual, por sua vez, depende do córtex pre-frontal íntegro. Se o sujeito permanece desperto é porque teme alguma coisa ou está domasiadamente ansioso. Nesses casos não se deve proceder a indução hipnótica. Caso o indivíduo aceite ser induzido, mas mesmo assim permanece desperto, é porque seu SAR continua ativo por estar recebendo estímulo do córtex cerebral; o sujeito pensa ativamente em algo ou está fazendo alguma coisa."
Uma excitação supramaximal, seja por um estímulo sensorial, seja por uma emoção, gera um estado hipnótico com predominância do sistema simpático, produzindo descargas vegetativas violentas que, entretanto, funcionam como autoregulação. Fenômenos como amnésia, anestesia, catalepsia, alucinações, etc... , são frequentemente observados nesta forma de hipnose, como em certos cultos afros, exorcismos, movimentos de massa, etc.. Charcot utilizava procedimentos desta natureza para hipnotizar pacientes histéricos, que são difíceis de aceitar a hipnose pelos métodos convencionais. E é com Charcot que Freud vai aprender essa técnica e iniciar um processo terapêutico que viria a se transformar na Psicanálise.

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