sexta-feira, 29 de outubro de 2010

PseudoEgo

V.2 O Estado Hipnótico e a Interação Homem/Computador

Hp-hp-1 Figura 1 - Hipnotista = Hp; hipnotizado = hp
    O estado hipnótico é o resultado de um jogo entre dois Sujeitos com duas enunciações, que concordam em compartilhar de um mesmo enunciado.
    O Ego do hp, representado pelo "Eu vou", é deslocado pelo Ego do Hp "Você vai..." Pela Lei da Resistência, que é condição "sine qua non" do Sujeito, o "Eu (vou)" não pode acessar diretamente (conscientemente) o Inconsciente (Ics), isto é, aquelas memórias-predicados barradas pela Estrura do Ego. O Consciente do hp, representado pelo Sujeito da Enunciação "Eu" (Sujeito da frase, Sujeito do EGO), permite e aceita ser submetido ao papel de súdito do pequeno-outro (Hp). O Sujeito "Você", do enunciado "Você (vai...)", substitui o Sujeito "Eu", do enunciado "Eu (vou)". O Sujeito da Enunciação "Eu vou", o hp, está ocupando o lugar do Sujeito do Enunciado "Você(vai...)", onde o Sujeito da Enunciação é o pequeno-outro, o Hp. Após início do Jogo, em seguida, cria-se uma simulação de um novo EGO, um PseudoEgo, onde os novos enunciados são constituidos pelo Sujeito do novo enunciado - Hp e pelo Predicado do novo enunciado - hp. Nessa nova formalização uma OUTRA FALA é possível, o Hp atuando como Consciente, e o hp como Inconsciente, ou melhor, o Cs do Hp (Sujeito do pseudoEgo) pode acessar o Ics do hp (Predicado do pseudoEgo). Esse processo de deslocamento e seus efeitos corresponde corresponde a uma alienação do sujeito. Ela seria regida por um deslocamento da Imago do hp. O Hp é a nova Imago do hp. A alotriose é inciada pela permissão de troca entre o "Eu" e o "Você", anteriormente discutida. Os estágios seguintes se dão por um processo de sugestão gradativa, onde o Hp requer (pede exigindo) do hp determinada concentração em alguma coisa, concentração essa que, no estágio mais avançado, vai culminar com a distração do Cs do hp, e a consequente pseudo-desestruturação do Ego do hp. Aí e então, o Consciente do hp não está “consciente” dessa invasão. que aflora em um PseudoEgo , e não em seu próprio Ego. Durante esse estado de “alienação”, quem tem consciência da invasão do Outro (Outro do hp) é o próprio invasor Hp. Assim, a Lei da Resistência não é infringida. Ela é apenas burlada temporariamente. Durante a hipnose, quem fala é o Hp (Sujeito da Enunciação), emitindo uma frase onde o Sujeito do Enunciado é "Você...". Esse sujeito refere-se ao hipnotizado hp. O hp, por sua vez, sem ter consciência, se apropria por deslocamento desse sujeito, ficando assujeitado ao comando,  quer dizer, ao verbo do enunciado. O verbo "vai..." já está no predicado. Podemos chamar esse processo de “HomoAnfítese” (homo=igual e anfi=duplicidade), ou seja, uma unidade do duplo. Um mecanismo que vai provocar fenômeno instituido por uma nova ordem. É como se as coisas se passassem em uma dimensão diversa daquela envolvendo o mundo normal do falante. Nessa outra dimensão, seria também outra a lei a que estão submetidos seus participantes. Essa nova Lei pode ser enunciada a partir da regra do jogo antes anunciada: Dois Egos, formados por dois Sujeitos (Hipnotista e Hipnotizado) com duas enunciações devem compartilhar de um único enunciado. Assim se constitui uma nova superunidade - o PseudoEgo . O não-cumprimento da Lei é punido com a desestruturação do PseudoEgo e o retorno à condição de dois Egos independentes. É o fim do jogo. Uma melhor compreensão do funcionamento do PseudoEgo pode ser adquirida ao observarmos sua semelhança com o sistema Homem/Computador. O resultado de um processamento pelo computador, digamos, aquele produzido no monitor (tela) e sua leitura pelo Homem (interação Homem/Tela), advém de um comando dado pelo Homem e executado pelo Computador (Figura 2).
    image Figura 2  - InterAção Homem/Computador
    De forma semelhante, o PseudoEgo produz um resultado que é atingido por um comando enunciado pelo Hp, comando esse que é obedecido e executado pelo hp (Figura 3). Pc e Hp  Figura 3 – Analogia Hp/hp - Homem/PC Cs-Consciente; Ics-Inconsciente Vejamos o que se passa em uma escala menor, onde o aumento da complexidade de ambos os sistemas – Homem/Computador e Hipnotista/hipnotizado) – não impede eles ainda mantenham uma certa similaridade (Fig. 3). No sistema Hp/hp, o elemento Hp se constitui em um sub-sistema estruturado com um Ego normal, obediente à Lei do falante; Esse Ego é o emissor de uma fala com significação e consciente dessa fala (Figura 4). Nesse sistema, o hp, ao executar o comando do Hp, também emite uma fala com significação, só que ele não tem consciência dessa fala, visto o Consciente estar deslocado e "substituido" pelo Cs do Hp. O lugar da compreensão está no PseudoEgo, do qual ele participa, apenas, com seu Inconsciente!! Resumindo, o PseudoEgo é criado pelo Consciente (Cs) do Hipnotista e o Inconsciente (Ics) do Hipnotizado. No sistema Homem/Computador, o Homem é um falante normal que, através do Teclado consegue (falar) acessar a memória e os arquivos do computador. O computador, então, realiza um programa estabelecido e produz um resultado (ilustrado como "Interação Homem/ Computador", (Figura 5). O Teclado faz o papel de Consciente Passivo, atuando como aquela interface que está entre o mundo exterior e a CPU (Central Processing Unit), e configurando uma das portas de entrada nesse mundo "Inconsciente". Em analogia com o ser humano, o Teclado está no lugar dos neurônios receptores dos sentidos. O Teclado, tal como o Consciente do hp, está deslocado, sob o comando do Cs do Homem. Durante e após o acesso aos arquivos, determinados procedimentos são efetuados e o resultado final é transmitido através da tela. Digamos que o Teclado é o ouvido que ouve a fala do Homem ao pressioná-lo (semelhante à sugestão), e que a Tela (ou uma impressora) é a fala que o Homem escuta do computador. Igualmente, o hp ouve e obedece ao receber um comando em seu Cs, deslocado e distraído (o teclado) para, em seguida, acessar sua memória e processar esse comando, finalizando por falar do resultado final. É essa fala que o Hp escuta. Tal como no Computador, onde o Teclado nada sabe da resposta de saída, essa fala final não é conscientizada pelo hp.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

IV - PsicoSintaxe

O objetivo da PsicoSíntese, utilizando recursos de uma PsicoSintaxe, é auxiliar no entendimento dos distúrbios psicóticos, através de um paralelo entre a estrutura sintáxica do enunciado (Sujeito do Enunciado, da frase, e Predicado), e a estrutura psíquica do indivíduo (Sujeito da Enunciação). 

A ligação entre o sujeito que fala e a sua própria fala, está bem explícita em Freud e Lacan. Lacan situa o lugar do sujeito: lá onde isso estava, lá, como sujeito, devo [eu] advir. Ao incluir o objeto da falta como determinante do sujeito, o cogito Cartesiano só tem sentido na medida que se vincula à fala, à linguagem. O sujeito sobre o qual Lacan opera no campo da psicanálise é o sujeito dividido, apreendido na estrutura da linguagem. Lacan aí se refere ao sujeito da enunciação.

Entretanto, a abordagem da PsicoSintaxe vai além (ou aquém), ao propor um paralelo indissociável entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, qual seja, o sujeito gramatical. Assim, não é somente “o objeto da falta que determina o sujeito”, mas sim, o próprio objeto, o qual se situa no Predicado.

Antes de desenvolvermos esse tema, é mais do que oportuno uma breve revisão de alguns conceitos básicos da gramática tradicional.

A abordagem da PsicoSintaxe vai além (ou aquém), ao propor um paralelo indissociável entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado. Assim, não é somente “o objeto da falta que determina o sujeito”, é o próprio objeto, o qual se situa no predicado”,

A Sintaxe é a parte da gramática que estuda a “disposição das palavras na frase e a das frases no discurso, bem como a relação lógica das frases entre si”. Ao emitir uma mensagem verbal, o emissor procura transmitir um significado completo e compreensível, ou seja, a frase tem um sentido.

Para tratarmos da PsicoSintaxe, chamaremos o emissor da frase de Sujeito da Enunciação, para diferenciar do Sujeito do Enunciado (Sj da figura V.1), que é um dos dois termos essenciais da oração (o outro é o Predicado). A psicosintaxe vai então lidar com o esse “sujeito” que fala, ou quer falar, e de como ele lida com o predicado falado.

O Sujeito do Enunciado é o ser ou a coisa ao qual se atribui a idéia contida no predicado. O Predicado é tudo aquilo que se atribui a esse sujeito, sendo composto por até dois núcleos, um verbal e outro nominal. O núcleo verbal pode estar explícito (a menina É bonita) ou oculto (menina bonita). O núcleo nominal, pode ser apenas um nome (bonita) ou uma expressão de valor nominal, por exemplo, a menina ganhou uma boneca nova”. Já na frase a menina dança” o verbo intransitivo basta para dar sentido à frase.

Tipos de Sujeito Gramatical (do enunciado)

A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) considera apenas os três primeiros tipos de sujeitos:

   

a) Simples: quando existe apenas um núcleo (“a casa é bonita”)

    b) Composto: com dois núcleos (“a casa e o carro são bonitos”)
    c) Indeterminado: quando a identidade do sujeito é desconhecida (“roubaram minha carteira”, quer dizer que alguém roubou minha carteira; “precisa-se de empregados”, significa que alguém ou uma empresa precisa de empregados).
   

d) Oculto (também chamado de desinencial, implícito, ou elíptico): Sujeito desinencial é aquele que não vem expresso na oração, mas pode ser facilmente identificado pela desinência do verbo: “fechei a porta” = “(Eu) fechei a porta”). A desinência Eu está claramente identificando o sujeito.

A NGB considera ainda o que chama de Orações sem sujeito, aquelas cujo verbo é impessoal. Verbo impessoal seria o que, não tendo sujeito explícitável, só se usa na 3ª pessoa do singular:

  Haver – quando sinônimo de existir, acontecer, realizar ou fazer (“havia poucos ingressos à venda”; “Houve duas guerras mundiais”).
  Fazer, Ser e Estar – quando indicam tempo (“estava frio naquele dia”, “faz invernos rigorosos no Sul do Brasil”)

Ora, não podemos concordar com essa (des)classificação desoportuna. Examinando em detalhe a frase faz invernos rigorosos no Sul do Brasil”, ao aplicarmos um recurso de normatização, fica claro que existe um sujeito – “Sul do Brasil”. Por exemplo: “O Sul do Brasil comporta invernos rigorosos”, onde o termo “comporta” substitui o termo “faz”, e a expressão de valor nominal “invernos rigorosos” complementa o predicado.

 image

A figura IV.1 ilustra o diagrama fundamental da PsicoSintaxe. Na cor azul, o conjunto Sujeito (Sj) intersecciona o conjunto Predicado (Pd) no campo comum aos dois conjuntos – a FRASE (elípse vermelha). A Frase só tem sentido porque é constituida de um Sujeito e de um Predicado. Por exemplo, um falante ao expressar o termo casa, fora de qualque contexto, expressa algo sem sentido. Dizemos “fora de qualquer contexto”, pois se ele aponta com o dedo para uma casa, então ele está falando com sentido. Da mesma forma, ao dizer “bonita”, também fora de qualquer contexto, o adjetivo não está adjetivando nada, pois precisa de um “sujeito” para construir uma significação.  Até aquí, temos um exemplo banal da sintaxe tradicional.

O que vai construir uma PsicoSintaxe é a proposta, explicitada no diagrama, onde a FRASE sintáxica e o EGO, compartilham de um mesmo campo, o qual passa também a ser o resultado da intersecção do conjunto Consciente (Cs) com o Inconsciente (Ics).

O diagrama pode ser transliterado e condensado pela fórmula:

o EGO = a FRASE

Consequentemente, ficam impostas duas correlações bíunivocas: entre o Sujeito Gramatical e o Consciente (Cs) do Sujeito da Enunciação(Sj) e, entre o Predicado (gramatical) e o Inconsciente (Ics), este último termo sendo o lugar freudiano e lacaniano do desejo.

Alotriose (Alotriosis)

VI - ALOTRIOSE

ALOTRIO
      Figura 6-1: Posição de eqüilíbrio Psico-Orgânico promovido pela resultante das forças das pulsões. A tendência natural é impelir o ser-vivo à graus maiores de entropia, a potenciais energéticos mais baixos. O ser humanos se eqülibra entre a tendência de retorno à condição inorgânica (pulsão de morte) e a tendência de retorno à condição de animal inferior (pulsão de não-fala).
O conceito de ALOTRIOSE  foi criado em conjunto com a psicanalista Mônica Tolipan, em 1993-94. Antes de desenvolvê-lo vamos rever brevemente as noções Freudianas de pulsão de vida e de pulsão de morte, e examinar suas relações com a entropia, essa Lei maior e anterior mesmo à criação do mundo orgânico.

CAVEIRA Pulsão de Vida - Pulsão de Morte - Entropia
    Na visão de Freud, "Como produto de considerações teóricas apoiadas na Biologia, nós assumimos a existência de um instinto de morte, cujo objetivo é o de redirecionar a matéria orgânica de volta ao estado inorgânico." (Freud, 1923, pp. 708-709), enquanto que Eros vem produzir "uma inacreditável coalescência entre as partículas...possibilitando assim a manutenção da vida."(p. 709). Para Freud , o aparecimento da vida tem causa igual a da manutenção da vida e do impulso em direção à morte. "Nessa visão, o processo fisiológico específico de anabolismo/catabolismo estaria associado a essas duas classes de instinto; ambos os instintos estariam ativos em todas as partículas das substâncias vivas" (Freud, op. cit., p. 709). Freud utiliza os conceitos de prazer e de dor da obra de G. Th. Fechner "Einige Ideen zur Schöpfungs- und Entwickelungsgeshichte der Organismen, 1873, p. 94 "(4), porque esses "conceitos são idênticos àqueles que nos foram revelados pela prática psicanalítica."(Freud, 1920, p. 639). Para Fechner e, portanto, para Freud, a vida é governada por um princípio da manutenção do eqüilíbrio entre esses dois instintos. Nas palavras de Fechner "qualquer movimento psicofisiológico que se encaminha para esse eqüilíbro é acompanhado de prazer..., ou por dor, se o movimento é em direção contrária e atinge determinado limite."(apud Freud, 1920, p. 639). Fechner, em 1873, emprega o termo eqüilíbro em um mimetismo às avessas da 2a Lei da Termodinâmica, sobre a Entropia, termo este primeiramente definido pelo físico alemão contemporâneo, Rudolf Clausius, em 1865. Os processos naturais, digamos, físicos, se dão em direção à desordem, isto é, ao eqüilíbro termodinâmico. Se eu coloco água quente em um recipiente com água fria, o sistema tenderá naturalmente ao eqüilíbrio, a um aumento de entropia do sistema, e o resultado é a homogeneização em uma temperatura média. Se eu dispuser em uma caixa, camadas de bolas brancas alternadas com camadas de bolas vermelhas, essa organização, essa ordem, reflete um estado relativo de baixa entropia. Ao sacudir a caixa, a tendência natural é no sentido de que as bolas brancas e vermelhas se misturem desordenadamente. O sistema assim homogeneizado possui entropia mais elevada que o sistema ordenado em camadas. A manutenção da vida é, portanto, uma luta constante para se distanciar desse eqüilíbrio imposto pela Lei da Entropia. A entropia quer desorganizar, e a Vida quer organizar. A entropia faz doer, e a busca pela Vida traz prazer. Não é por menos que Freud calcou o seu princípio do prazer em uma não-dor. Assim, o chamado eqüilíbrio das pulsões, representa um eqüilíbro psíquico para evitar, ou adiar, o eqüilíbro termodinâmico com o meio-ambiente físico. "Se é verdade que a vida é governada pelo princípio de Fechner sobre o eqüilíbrio constante, então ela é uma descida constante em direção à morte; contudo, a queda é retardada na medida que novas tensões são introduzidas pelo clamor de Eros através do instinto sexual e devido às necessidades instintivas." (3)(Freud, 1923, p. 711). A vida é parte dessa dialética de dois instintos, regidos que são por duas regras maiores e que têm o estatuto de Leis. Vamos chamá-las de Leis Orgânicas Vitais. A Primeira Lei Orgânica é a própria Lei da Entropia, a seta do tempo, que regula todos os processos naturais em uma condição de irreversibilidade, tendendo sempre à desordem progressiva. A entropia, como lei cósmica primordial, açambarca tanto o mundo físico (inorgânico) quanto o mundo orgânico. No mundo mental orgânico ela é decodificada pelo instinto de morte (ou pulsão de morte, para o homem). A Segunda Lei Orgânica pode ser enunciada em um páragrafo único: "Não pode não-viver e há que manter a vida". O cumprimento dessa lei requer um suprimento constante de energia para o interior do sistema vivente. O alimento, e a defesa na iminência do perigo constituem os dois fatores primordiais na manutenção da vida individual, enquanto que o instinto sexual leva à preservação da espécie - da linha filogenética. Pensemos na Primeira Lei Orgânica como um rio, com margens escarpadas, que desemboca em uma cachoeira, por onde suas águas caem para um nível inferior. Essa caida para um nível de energia potencial mais baixa, para uma altitude menor, representa a tendência ao eqüilíbrio. É esse desnivelamento que faz funcionar a correnteza do rio, ou seja, no nosso exemplo, a regra por trás da lei. A Segunda Lei Orgânica poderia ser representada pelo organismo situado no centro do rio e que tem que se manter distante da cachoeira - distante da morte. Não há como escapar pelas margens - a imortalidade. O ser, para se manter vivo no interior desse campo de força inextingüivel, deve exercer um esforço contínuo em sua luta contra a correnteza. Mas a vida acaba por sucumbir ao poder da Primeira Lei, a qual pode ser burlada, apenas, temporariamente. E o ser humano? Serão somente essas duas as leis que regulamentam sua essência? Na próxima seção vamos ver que a evolução introduziu novas pulsões vitais nessa nova espécie que é o Homo sapiens sapiens. SQGOLD  LIPSPulsão de Não-Fala Vamos nos aproximar da noção de Alotriose partindo de seu contrário. Talvez Freud tenha tomado emprestado alguma coisa dos epicuristas da Grécia antiga, para quem a exaltação do prazer (hedone) tomava como ponto de partida os já reconhecidos impulsos instintivos e naturais do homem. Os estóicos utilizaram o mesmo ponto de partida em sua ética, mas acrescentaram que não era o prazer que era primordial, mas aquilo que eles chamaram de oikeiosis(2), ou seja, a autopreservação, autoconservação, ou autoapropriação. Contudo, estamos mais interessados na noção oposta, alotriose (allotriosis), que significa autoalienação. A noção de alotriose se aproxima da noção de alienação, dela se diferençando pelas implicações do prefixo allo, e pelas atribuições ligadas às suas manifestações. A alotriose é um fenômeno que vai se manifestar através do que chamaremos de pulsão de não-fala:
      Essa pulsão, categorizada como semelhante ao instinto, é um fator inato de comportamento do homem, e se caracteriza pela presença de campos geradores de atividades elementares e automáticas, inconscientes, mas com finalidade precisa de tentativa de retorno à condição animal pré-humana, ou seja, ao estágio do ser-vivo não-falante. Está aí o cerne de nossa definição.
    A alotriose é parte da herança biológica (e psicogenética) herdada dos animais inferiores (não-falantes), após o salto evolutivo que produziu o ser falante. Tal como os outros instintos humanos, a pulsão de não-fala pode ser parcialmente acessível ao controle consciente. Ela se opõe à pulsão de fala, vista no capítulo anterior, da mesma forma que o instinto de morte se opõe ao instinto de vida (ou o Eros freudiano). Pulsões de fala e não-fala são atividades antagônicas, mas complementares e que, juntas, constituem uma única unidade - divisível, mas inseparável. A manifestação de uma implica a existência da outra. Os diferentes graus de manifestação e preponderância desta ou daquela pulsão, vão caracterizar o comportamento de cada indivíduo. Não existe pulsão de fala sem pulsão de não-fala, e vice-versa, tal como a síntese Hegeliana não pode prescindir de seus elementos geradores - tese e antítese; o mesmo ocorre no embate dialético das pulsões de vida e de morte. Poderíamos mesmo nos referir ao ser vivo, como um morto-vivo, onde cada incremento de vida o aproxima mais da morte; ou ao homem, como um mudo-falante (mudo no sentido do mutismo do animal inferior) onde, subjacente à sua fala, existe um campo de atração que o atrai de volta à condições pré-humanas de não-fala. Esses mecanismos paradoxais fazem parte da essência do comportamento humano. Essa essência é consubstanciada pela comunhão de um viver com um falar. No Capítulo 3 (ainda não inserido) escolhemos como a melhor expressão para a lei do falante(1), o enunciado Lacaniano:
    "Não pode não-falar"
    Ora, uma Lei só é instituida quando surge a necessidade de se manter determinada ordem. A infração à lei, implica em desordem e, a respeito da lei do falante, essa desordem é traduzida por uma não-fala (A Alienação), como expressa seu enunciado: "Não pode não-falar". Daí vem nossa proposta em eleger esse não-falar à categoria de pulsão inata. O seu oposto, o que denominamos de pulsão de fala, nada mais é senão a própria tradução da lei. Resumindo, a pulsão de fala traduz a lei do falante, e a pulsão de não-fala, a sua infração, ou seja, a punição em caso de descumprimento da lei. Seguindo esse raciocínio, poderíamos até dizer que a pulsão de não-fala, traduz uma outra lei, anterior, uma lei dos animais inferiores, que seria enunciada como: "Não pode falar". Entretanto, preferimos não estatuir essa função como lei vigente no mundo não-falante por não encontrarmos uma tensão oposta que exija sua enunciação. Já no universo do falante, a herança da não-fala vai criar, ela própria, uma tensão oposta à lei que institui a fala. A pulsão de não-fala está implícita em Freud, Lacan e em toda a psicoterapia analítica pós-Freudiana, só que travestida de outros significantes, tais como: o desejo de retorno ao primitivo, o desejo de retorno ao ventre materno, a busca do objeto perdido, a busca do objeto "a", o Phalus (em outras instâncias, o termo Phalus designa a propria Lei), o seio materno, o estado narcísico, etc...). Ao introduzirmos o conceito de alotriose, com manifestações provocadas por um impulso, ou seja, por uma pulsão que atrai o falante para não falar, estamos propondo identificar e revelar o mecanismo fundamental, original, inerente e natural por trás de todas as diferentes versões acima mencionadas. O "seio materno", a "busca do objeto perdido", etc..., são formalizações de caráter mais ou menos abrangentes, mas sempre casuísticas. A alotriose está na raiz estrutural sobre a qual se desenham essas diversas formas de expressão, ou melhor, de não-expressão.SQGOLDFootnotes (1) Esse conceito recebe diversas designações, segundo Lacan: Nome-do-Pai, O Phalus, A Lei, a Ordem do Significante, a Inserção do Simbólico, Estatuto do Sujeito, etc...(ver Capítulo 3) (2) Definições retiradas da obra de F. E. Peters: "Termos Filosóficos Gregos - um léxico histórico", 1977, p. 169. (3) Achamos que Freud coloca duas classes distintas de efeitos dentro de uma mesma categoria, o que pode levar a uma certa incompreensão de seu raciocínio; seu instinto de morte, enquanto decorrente da entropia, tem um estatuto de Princípio, assim como o "peso" de algo é a resultante de um campo gravitacional - da mesma forma, a deterioração do orgânico é resultado de um campo entrópico. O seu instinto de morte, enquanto instinto destrutivo (Freud coloca o sadismo como um de seus representantes (1923, p. 708)), já pertence a uma categoria distinta, esta sim, com a função de instinto. Uma resulta de um campo externo ao organismo, e a outra é derivada a partir de um campo interno do organismo. (4) Tradução: Algumas Idéias sobre a Gênese e Evolução do Organismos
      OBSERVAÇÃO: As citações de números de páginas da obra de Freud, referem-se à tradução inglesa do Vol. 54 - Great Books, 1952/Enciclopédia Britânica.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Hyonosis FAQ

Frequently Asked Questions

regarding the scientific study of hypnosis.

[Editor's note: As you can see, this is another oldie but goodie, this time from 1993. Jouni Smed included this FAQ, converted to HTML, is his original "Altered States" web site. Unlike the dream FAQ from the same era, this one seems factually correct and up-to-date (and considerably more verbose) so I will refrain from adding editorial comments. As with the dream FAQ, you can expect email addresses to be obsolete in this historic document. --RD]


Written and maintained by Todd I. Stark, (stark@dwovax.enet.dec.com). July, 1993. Other credits below.

Contents

  1. What is hypnosis? How did the various concepts of hypnosis evolve?
    1. Hypnosis arose out of an operator-assisted altered state induction model.
    2. The cultural origins of the concept of hypnosis
    3. The scientific deconstruction of hypnosis
  2. What is hypnotic trance? Does it provide unusual physical or mental capacities ?
    1. 'Trance;' descriptive or misleading?
    2. Are there potential clues in 'trance logic?'
    3. So what is trance logic?
    4. Criticism of trance logic.
    5. Trance as distinct from sleep or stupor.
    6. 'Trance Reflex' and the appearance of stupor.
    7. Evidence of enhanced functioning following suggestion?
      1. 'Mind and Body' in modern medicine.
      2. Hypermnesia, perceptual distortions, hallucinations, eidetic imagery.
      3. Posthypnotic suggestion and amnesia.
      4. Pain control (analgesia and anesthesia).
      5. Dermatological responses.
      6. Control of bleeding.
      7. Cognition and learning.
      8. Enhanced strength or dexterity.
      9. Immune Response
    8. Highly extraordinary experiences while under hypnosis.
      1. Bizarre remembrances under hypnosis
      2. Psychic phenomena under hypnosis
      3. Experiences of extraordinary personal significance
  3. How reliable are things remembered under hypnosis?
  4. Can anyone be hypnotized or only certain people? The search for the 'hypnotizability trait.'
    1. Hypnotizability
    2. The 'Fantasy Prone Personality'
    3. Can hypnotizability be modified?
  5. Can I be hypnotized against my will, or forced to do things I wouldn't ordinarily do? Hypnosis, volition, and mind control.
    1. Is the hypnotist in control of me?
    2. Voluntary vs. Involuntary
    3. Conscious vs. Unconscious
  6. What should I read to learn more ? A selected bibliography on hypnosis and related topics in science and philosophy of science.

With much appreciation to the following people who helped by providing references or particularly useful suggestions:

  • Grant Fair, for his detailed list of sources on various physiological correlates of hypnosis, and the idea to include research on animal hypnosis;
  • Topher Cooper, for the idea of the eidetic imagery data, and his invaluable help with the research of psi data;
  • Jim Lippard, for suggestions about the section on volition and the section on physiological correlates.
  • Sidney Markowitz (sidney@apple.com), for his recollection of the Erickson paper about lip reading and subtle communication.
  • Carol Augart Seger (seger@cognet.ucla.edu) for her posting of various useful references on attention and learning.
  • Richard E. Cytowic MD (p00907@psilink.com) for his posting of an excerpt from his new book on synesthesia, which I quoted in the memory chapter.

domingo, 3 de outubro de 2010

Da Sugestão à Hipnose e à Psicanálise

III. 2 - Da Sugestão à Hipnose e à Psicanálise
Considerando o ponto médio de nosso percurso o período em que Freud se encontra debruçado sobre a hipnose, temos que partir de seus trabalhos com Charcot e Breuer. Na "História do Movimento Psicanalítico", Freud assume a responsabilidade de ser a Psicanálise uma obra sua, mas reverencia, particularmente, o Dr. Joseph Breuer como aquele que "dera vida à psicanálise"... "esta arte (a Psicanálise) não foi iniciada por mim, mas por Breuer."
3.2.1 - Charcot, Mesmer e Braid
    Jean Martin Charcot (1825-1893), neurologista, nasceu em Paris e teve toda sua carreira de clínico, pesquisador e de docente desenvolvida no hospital de Salpêtrière. É aí que começa seu trabalho de observação de semiologia diferencial da histeria e epilepsia. Em 1870, foi encarregado de uma sala especial que a administração do hospital reservava para um número bastante elevado de enfermas acometidas por convulsões. Algumas eram epilépticas e, outras, histéricas que, segundo Charcot (e outros), por suas tendências miméticas tinham aprendido a imitar as crises epilépticas. Para ele, histeria e epilepsia eram como irmãs, e nos dois casos se poderia sustentar que as perturbações funcionais de origem cerebral se espalhavam por simpatia por todo o organismo. A aproximação de Charcot com o hipnotismo é controvertida. Para Ellenberger, ela se deu em 1878 e, provavelmente, sob a influência de Charles Richet. Já, segundo E. Trillat, ela se dá em 1876, quando Charcot é nomeado para compor uma comissão que tem como objetivo por à prova "os fatos metaloscópicos" descobertos por Burg. De início, Charcot permanece cético; não acredita na ação dos metais. Burg trabalhava em seu setor no hospital e experimentava seu método com as histéricas. Seu método consistia na aplicação de cataplasmas metálicos de sua concepção Å armaduras, brochas e medalhas Å no corpo das pacientes. Os primeiros resultados são, para Charcot, absolutamente convincentes: a aplicação metálica faz desaparecer as manifestações histéricas, quaisquer que elas sejam. A pedido do próprio Charcot, esse método passa a ser experimentado com pacientes atingidos por lesões cerebrais, com resultados encorajadores. Infelizmente para Burg, a comissão constrói a hipótese de que a ação curativa das aplicações metálicas estaria relacionada a ações elétricas determinadas pelo contato do metal com a superfície cutânea. Com essa hipótese e com a ajuda de um galvanômetro, o método de Burg é substituído pela eletroterapia que, mais manejável, permite os mesmos efeitos. No entanto, Charcot observara que, nessa nova terapêutica, o retorno da sensibilidade do lado doente, é acompanhado de uma anestesia do outro lado da linha mediana do corpo. A esse fenômeno, ele vai dar o nome de transferência de sensibilidade. Ao contrário de se desinteressar pelo método elétrico, Charcot faz um retorno maior no tempo, vai em direção ao magnetismo animal e, portanto, a Franz Anton Mesmer. Franz Anton Mesmer nasceu em 1734 em Iznang. Aos 32 anos de idade, obteve em Ulena o título de doutor com a tese: "Dissertação físico-médica sobre a influencia dos planetas". Há controvérsias hoje, mas consta que Mesmer havia seinspirado em Paracelsus, em Van Helmont e em William Maxwel. Esses autores valorizavam o lado mágico e oculto da arte médica Å "ars curandis". Entre 1773 e 1774, Mesmer começou a utilizar imãs nos tratamentos de seus pacientes a partir de sua primeira experiência com a senhorita Österlin, uma jovem de 28 anos. "Há dois anos ela apresentava crises convulsivas acompanhadas de febre, vômitos, e delírio melancólico e maníaco", crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia. Percebendo a periodicidade das crises, às quais atribui um caráter astronômico, procura modificar seu curso. "Eu planejei estabelecer em seu corpo uma espécie de maré artificial com a ajuda do imã e de forma a reproduzir artificialmente as revoluções periódicas do fluxo e do refluxo." Após tê-la medicado com infusões à base de ferro, ele prendeu um imã em cada pé da paciente e um outro, em forma de coração, sobre o peito. Imediatamente a paciente experimentou uma dor abrasadora e dilacerante que percorreu todo o corpo seguindo os eixos das peças imantadas. Tanto a paciente como os que assistiam a esse terrivel espetáculo, horrorizavam-se e, apesar da reação da assistência, Mesmer não hesitou em acrescentar mais dois outros irmãs aos pés. Então a doente "sentiu descer com impetuosidade as dores que tinham atormentado as partes superiores." Pouco a pouco, todos os sintomas desapareceram. Mesmer havia presenciado uma eletroconvulsoterapia, sem o saber; a eletricidade só vai ser popularizada como recurso terapêutico na medicina oficial por Charcot. É interessante notar que, tanto Mesmer quanto Charcot, ambos observaram a mesma "transferência de sensibilidade" nessas crises convulsivas que provocavam em seus pacientes. Porém Charcot já contava com os experimentos pioneiros deFaraday, além do legado mesmo de Mesmer. No entanto é importante ressaltar que a eletroterapia contemporânea, tão usada em inúmeros tratamentos, não tem, nem de longe, o potencial terapêutico da crise mesmérica. Descartados os fluídos e o magnetismo pessoal, fica também de fora, o valor da relação transferencial. Com a água, jogou-se fora também a criança. O grande obstáculo para Mesmer, no prosseguimento de suas investigações, foi posto pela comunidade científica de seu tempo. Sem outra teoria contemporânea que pudesse dar sustentação a suas idéias e seu empiricismo, Mesmer ficava politicamente muito vulnerável. Sua teoria tinha como fonte de inspiração a "bruxaria" da Renascença. Há controvérsias quanto aos autores em quem Mesmer tenha se baseado para elaborar sua teoria, mas não restam dúvidas sobre um deles, em especial: Paracelsus. A teoria do magnetismo animal é claramente herdeira do "magnetismo". Sabemos hoje que o que Mesmer e outros praticavam era, simplesmente, a sugestão hipnótica, mas os efeitos produzidos eram semelhantes aos de modos de produção relacionados com a magia. Conseqüentemente, o vínculo satânico os condenava. O resultado terapêutico positivo não contava. Curava-se, mas a cura era pela mão do diabo. Então, condene-se! Paradoxalmente, essa retomada da "caça às bruxas" ocorria em pleno século XVIII, o Século do Iluminismo. Tivesse Freud empregado o "magnetismo da persuasão" um século antes, sua teoria da Psicanálise não teria vingado. Mas as idéias de Mesmer foram difundidas pela prática de dois de seus discípulos, os irmãos Puységur. Um discípulo do marquês de Puységur, Charles Poyen, levou o magnetismo animal para os Estados Unidos. Uma demonstração pública em Maine, Nova Inglaterra (1836), convence Phineas Quimbydo valor da cura mental. Suas investigações o levam a abandonar as causas elétricas por poderes exclusivamente mentais. Mesmer largara o magneto e Quimby parara de "mesmerizar".(Alexander e Selesnick, 1966). Em 1862, Quimby conheceu uma professora de 40 anos de idade que "transformou sua fé em dólares e suas demonstrações em culto." Mary Baker, curada que fora pelo marido de diversos sintomas histéricos, empenhou-se em um movimento chamado "Christian Science", que abrangia a fé e a cura, sustentando que a ilusão é uma doença e que a crença no Senhor destrói essa ilusão. A prática da "Christian Science" desenvolve-se através do final do século XIX e pelo século XX, em paradoxal sincronia com os espetaculares avanços da ciência médica." (Alexander e Selesnick, op.cit). A difusão de tal movimento, julgado pela ordem vigente como irracional, vem testemunhar, mais uma vez, o arraigado desejo de magia e fé pelo homem. Esse desejo advém de um impulso algo irracional, onde as partes envolvidas conjugam uma vontade única emitida de um Outro lugar. É o poder da sugestão. Está aí constituida a Mente de Grupo (ou mente massificada) de Le Bon (1920), que opera segundo a sugestão convincente e "hipnotizadora" de um lider (ou de uma idéia). Freud (1921) se apoia nos conceitos de Le Bon para descrever as bases da sua psicologia de grupo, também chamada de psicologia das massas. Os ensinamentos de Le Bon também servirão de apoio ao nosso conceito de PseudoEgo, que será desenvolvido mais adiante (Capítulo 5). Outros seguidores do marquês de Puységur foram ativos na Inglaterra e Alemanha. Na Inglaterra, John Elliotson (1791-1868), conhecido por ter sido um dos primeiros a usar o estetoscópio, liderou um movimento para tornar aceitas pelas sociedades médicas uma combinação das técnicas de frenologia e do magnetismo animal. Elliotson empregou pela primeira vez o mesmerismo para diminuir a dor durante cirurgias e, devido a essa prática radical, foi demitido da presidência da Real Sociedade Médica e Cirúrgica. Na Índia, com o emprego do mesmerismo, James Esdaile (1808-1859), executou mais de duzentas operações sem dor em sentenciados hindús. O interesse por essa prática diminuiu com o emprego de gases anestésicos na década de 1840. Entretanto, os médicos já começavam a ver que o mesmerismo era mais que fraude ou mera imaginação.(Notas retiradas de Alexander e Selesnich, op. cit., pp. 182-183). Em 1843, James Braid, um cirurgião de Manchester, Inglaterra, publica um artigo "Neurypnology or the Rationale of the Nervous System", onde sustenta que não havia nada de mágico nos estados de transe; estes eram causados pelo excessivo relaxamento muscular depois de prolongado período de concentração e conseqüente esgotamento físico. Braid não explica bem o que era o transe, mas consegue dissipar um pouco a atmosfera que o charlatanismo havia gerado em torno do mesmerismo. O mesmerismo tornara-se neuripnose. A seguir, Braid o relaciona com o estado do sono e muda seu nome para Hipnose. Estava criado um termo tranquilizadoramente científico. Como um batismo redentor, Satanás é expulso e o conceito é abençoado. Estava quase terminado o caminho para que Freud o pudesse trilhar sem o risco da excomunhão pela catedral da Ciência. Na medida que avança o século XIX, na mesma instituição onde Pinel tirara as correntes dos pacientes, a Salpêtrière, a hipnose torna-se uma disciplina séria de investigação científica sob a influência e credencial de Jean MarieCharcot . Estava pronto o caminho para Freud.
    3.2.2 - Freud, Breuer e a Hipnose
    Em 1881, Freud inicia sua carreira como neurologista. Seu interesse pela hipnose e aspectos psicológicos da medicina, em particular sobre a histeria, principia em Outubro de 1885, quando vai a Paris pela primeira vez com uma bolsa de viagem. O motivo dessa viagem, foi o de ter verificado que os métodos de tratamento prevalescentes, particularmente a eletroterapia de Erb, mostravam-se de pouco valor para seus pacientes, a maioria formada de neuróticos, e em Paris, encontrava-se Jean Marie Charcot, o mais importante neurologista da época. Charcot considerava seriamente os sintomas histéricos como verdadeiros, apesar da prática habitual que consistia em interpretá-los como meramente "imaginários". Freud observou criteriosamente os sintomas histéricos, passando a aceitar a evidência de que eles também se manifestavam em homens, o que contrariava a idéia tradicional de ser essa doença exclusivamente feminina. Charcot conseguia, empregando transes hipnóticos, produzir em alguns de seus pacientes histéricos os mesmos sintomas que eles adquiriam no curso da doença; embora Charcot sustentasse que a histeria era causada por uma fraqueza básica no sistema nervoso, ainda assim demonstrou que os sintomas histéricos de paralisia, tremores e analgesias podiam ser produzidos e eliminados por técnicas psicológicas. "Essas investigações de Charcot reafirmam a teoria psicogênica da histeria que Thomas Sydenham havia propostoduzentos anos antes." (Alexander e Selesnick, 1966). Freud retorna a Viena em fins de Fevereiro de 1886, tornando-se um militante das idéias de Charcot sobre hipnose e sua relação com a histeria. Essas idéas só vão encontrar eco na pessoa de seu colega mais velho, o Dr. Joseph Breuer, com quem vai manter uma estreita relação profissional e de amizade pelos próximos dez anos. O primeiro contato de Freud com a hipnose se dera quatro anos antes de sua viagem a Paris, quando Breuer lhe contara sobre uma certa observação clínica. Em 1880, Breuer havia tratado de uma jovem, Anna O., que apresentava os sintomas clássicos da histeria: paralisia dos membros, anestesias e perturbações da visão e da fala. Esses sintomas haviam aparecido pela primeira vez quando ela tratava de seu pai enfermo. Breuer observara que numa ocasião a moça, ao provocar hipnose espontânea em si própria, relatou com pormenores as circunstâncias que envolviam o desenvolvimento de um de seus sintomas. Breuer passou a tratá-la com sessões regulares de hipnose, encorajando-a a falar Å sob transe Å das experiências que coincidiam com seus sintomas, técnica que a própria paciente chamou de cura falante. A mémoria lembrada era acompanhada de violenta expressão emocional (abreações) e sucedida pelo desaparecimento dos sintomas correspondentes. Não fosse pela sua associação com Freud, o caso de Anna O. teria permanecido um episódio isolado na prática de Breuer. Entretanto, Freud reconhece aí o berço da Psicanálise Å a teoria da conversão de Breuer Å cujo princípio fundamental estabelecia que os sintomas dos histéricos estavam relacionados ao chamado trauma Å cenas impressionantes, porém esquecidas de suas vidas. A terapêutica fundada nesse princípio, consistia em fazer com que o paciente se recordassede tais cenas e as reproduzisse sob hipnose, liberando assim o afeto reprimido (catarse). A teoria, daí deduzida, concluia que esses sintomas corresponderiam ao emprego anormal de magnitudes de excitação não derivadas (conversões). Diz ainda que o método hipnótico lhe aparece como uma alternativa melhor que a terapêutica elétrica da época. Em 1892, Breuer e Freud reconhecem que a possibilidade de cura desse tipo de terapia era reconhecida por Delboeuf e por Binet, conforme citações:
      "Pode-se assim compreender como o hipnotizador auxilia na cura; ele faz com que o paciente retorne à condição na qual a doença se manifesta, e luta com palavras a mesma doença à medida que ela reaparece" (Le magnetisme animal. Delboeuf, 1889). "...pode-se perceber que, através desse artifício mental, que faz com que o paciente retorne àquele momento quando o sintoma primeiramente se manifestou, o paciente se encontre mais receptivo à sugestão curativa"(Les altérations de la personalité. Binet, 1892). Em seu interessante livro, l'Automatisme psychologique (1899), Janet descreve uma cura de uma jovem histérica por um procedimento igual ao nosso" (in "The Psychic Mechanism of Historical Phenomena. Preliminary communication" (publicação original, em alemão, Breuer u. Freud, 1892), com anotações de Freud em edições posteriores).
    Devido a influência exercida por Charcot, de 1886 a 1889, Freud e Breuer continuaram seus trabalhos com hipnose catártica. A primeira divergência entre os dois surgiu numa questão relativa ao mecanismo psíquico da histeria. Breuer inclinava-se para uma teoria que ainda podia ser qualificada de filosófica. Queria explicar a dissociação anímica dos histéricos pela falta de intercomunicação dos diversos estados psíquicos de consciência. Breuer cria então a teoria dosestados hipnóides, cujos efeitos ficavam como que encapsulados, como corpos estranhos não assimilados na consciência de vigília. Freud opõe à teoria dos estados hipnóides, sua teoria da defesa. "Todavia, fiz uma tentativa efêmera de conciliar ambos os mecanismos", diz Freud (pág. 229). Para Freud, "orientado menos cientificamente"... (pág. 229), a dissociação psíquica era o resultado de um processo de repulsa, a que deu o nome de defesa e, depois, o de repressão. Contudo, a divergência que vai separá-los definitivamente, é relativa à etiologia sexual das neuroses. Ao constatar que alguns pacientes não podiam ser hipnotizados, Freud achou que sua técnica de hipnose precisava de aperfeiçoamento. Em 1889, Freud vai para Nancy, na França, onde a hipnose estava sendo usada em experimentação terapêutica por Ambrose-Auguste Liébeault e Hyppolite-Ambrose Bernheim. Este último fazia experiências com sugestão pós-hipnótica, nas quais os pacientes hipnotizados recebiam ordens para serem executadas depois que despertassem. Após esses estudos, Freud ficou decididamente convencido do poder da motivação psicológica não-consciente e percebeu que a sugestão era o fundamento psicológico da hipnose. É importante que nos alonguemos um pouco sobre a mencionada sugestão pós-hipnótica de Bernheim, pois esse método foi amplamente empregado por Freud, visto ele próprio ter admitido sua incapacidade de sempre induzir a hipnose em seus pacientes histéricos. Essa sua deficiência, por ele reconhecida, parece ter sido a principal causa que o fez buscar um método alternativo para o tratamento catártico, e não a reincidência dos sintomas, conforme relatado por alguns autores. As citações abaixo, quando entre aspas, são palavras de Freud, retiradas da tradução inglesa (1952, Great Books, E.B., Vol. 54) da obra Studien über Hysterie (Breuer und Freud, 1895): Pode-se perceber que, para Freud, o conceito de estado hipnótico representava a fase mais acentuada da hipnose Å o estado de sonambulismo. Freud pensava que as recordações reprimidas, que acarretariam os efeitos de abreações, só poderiam ocorrer em tal estado Å o sonambúlico. Para sua surpresa, ele verificou que essas memórias, não acessíveis normalmente à consciência, poderiam ser lembradas durante estados outros que não o de sonambulismo. Vejamos o caso de Lucie R.(Caso III), tratado no final de1892:
      "Ao tentar hipnotizar a senhorita Lucie R., ela não conseguia atingir o estado de sonambulismo. Tive então de deixar o sonambulismo de lado, e a análise se processou em um estado não muito diferente do normal" (p. 32).
    Logo a seguir, Freud relata que a paciente se encontrava...
      "...calma, em um grau de relativa sugestibilidade, com os olhos cerrados, as feições tranqüilas e os membros imóveis"(p. 34).
    O próprio Freud admite que Lucie R. teria alcançado, não o estado de sono profundo, mas um "grau suave de hipnose" (p. 32). A análise pôde se processar nesse estado, que Freud se refere como de relativa sugestibilidade, estado esse que é chamado pelos hipnotistas modernos de estado hipnoidal. Graças aos ensinamentos da escola de Nancy, Freud aprende que "lembranças esquecidas" poderiam retornar à memória do paciente através de sugestão advinda de um comando do seu médico. Vai então recorrer a outro artifício terapêutico para induzir essa sugestão - a pressão das mãos sobre a fronte do paciente.Vejamos como Freud relata essadescoberta:
      "Eu mesmo presenciei Bernheim demonstrar que as lembranças provocadas pelo sonambulismo eram, apenas, manifestadamente, esquecidas no estado de vigília, e que elas poderiam ser reproduzidas por insistência verbal do médico, acompanhada de pressão das mãos, o que provocava um outro estado de consciência. Por exemplo, ele provocou em uma paciente mulher, em estado de sonambulismo, uma alucinação negativa de que ele não estava mais presente. A seguir, tentou de todas as formas se fazer notado, mas sem sucesso. Após ter despertado, ele perguntou se a paciente se lembrava do que ele havia feito durante todo o tempo em que ela pensava que ele não estava presente. Ela replicou que não sabia de nada, mas Bernheim insistiu que ela iria se recordar de tudo, pressionando a fronte da paciente, e Alas!, ela finalmente começa a relatar todos os acontecimentos que haviam ocorrido durante o estado sonambúlico e que, ostensivamente, ela de nada lembrava no estado de vigília." (p. 32) "Essa impressionante e instrutiva experência passou a ser meu modelo. Eu decidi supor que meus pacientes sabiam de tudo que pudesse ter um significado patogênico, e que só era necessário forçá-los à lembrança. Sempre que eu atingia um ponto em que minhas perguntas "Å Desde quando você tem esses sintomas?", eram respondidas como um "Å Realmente, eu não sei", eu procedia da seguinte forma: eu colocava uma das mãos na fronte do paciente, ou pressionava sua cabeça com ambas as mãos e dizia: "Å Através da pressão de minhas mãos você vai se recordar; no momento em que eu retirar essa pressão você verá algo defronte de sí, ou alguma coisa surgirá em sua mente que você deve notar; é isso que você está procurando. Muito bem, o que você viu, ou o que veio em sua mente?" "Ao aplicar esse método pela primeira vez, fiquei surpreso por obter tudo que precisava. Posso mesmo dizer que ele jamais me falhou; ele sempre me apontou o caminho a seguir, permitindo que a análise se processasse sem o sonambulismo." (p. 33)
    Freud percebe que tem em mãos uma poderosa ferramenta para driblar o senso crítico consciente de seus pacientes. São inúmeros os casos em que faz uso da pressão das mãos: uma jovem com neurose de ansiedade (p. 33); o caso de Elizabeth von R.(p. 38), e diversos outros relatados a partir da página 66, onde Freud dá vários exemplos para demonstrar o sucesso de tal procedimento.
      "Esse método me ensinou bastante e em todas as vezes auxiliou na obtenção de meus objetivos...Para explicar sua eficácia, poderia mesmo pensar que se trata de uma certa "momentânea e induzida hipnose", mas os mecanismos da hipnose são tão enigmáticos para mim que eu preferiria não recorrer a eles para uma explicação." (p. 65)
    Não obstante, Freud está recorrendo ao mecanismo da hipnose para explicar essa desconcentração consciente. Entretanto, seria ilusão pensarmos que uma simples referência ao termo hipnose resultasse em uma explicação do fenômeno, pois o mecanismo do processo era desconhecido na época. O que Freud percebia era um paralelismo entre dois estados semelhantes, em que os efeitos de dois modos de produção diferentes se correlacionavam. Sempre que tentava penetrar mais fundo no processo, Freud se maravilhava ao se deparar com um mistério, senão vejamos:
      "Devido aos resultados obtidos através da pressão das mãos, tem-se uma ilusão da presença de uma inteligência superior fora da consciência do paciente, a qual sistematicamente armazena uma grande quantidade de material psíquico para um propósito significativo, e que encontrou uma forma engenhosa de retornar ao consciente. Eu presumo, entretanto que essa segunda e inconsciente inteligência é apenas aparente" (p. 67)
    (Podemos ver que, sem o notar, Freud já estava se deparando com manifestações e mecanismos que iriam, mais tarde, ser englobados no seu conceito maior de Inconsciente. Em 1895, Freud empregava o termo inconsciente, com inicial minúscula, de forma não sistemática.) É preciso abrir um parêntese para esclarecer a evolução do pensamento de Freud quanto aos conceitos que ele imprimia, em diferentes épocas, sobre os têrmos hipnose e sugestão. Em 1904 (p. 108), Freud menciona não praticar hipnotismo desde 1896, a não ser em casos excepcionais. Até então, era implícito ou explícito em Freud o paralelismo entre as noções de estado hipnótico e estado sonambúlico, e o termo hipnotismo permanecia indissociável do termo sugestão, e vice-versa. Quando passou a mencionar que a associação livre parecia ser uma forma substitutiva do método hipnótico, apresentando a grande vantagem de que, através dela, todo o processo passava pela consciência, pela elaboração, Freud não se dava conta, ainda, do fator sugestionabilidade de seu novo método, fator esse presente em todo o processo psicanalítico. Nesses tempos, sugestão implicava quase sempre proibição hipnótica. Freud aprende que pode prescindir da proibição hipnótica como forma privilegiada da intervenção e se coloca contra a "técnica da sugestão" (p. 108), cujo efeitos, por não serem duradouros, resultavam em reincidências freqüentes dos sintomas. Freud ainda não diferençava entre sua "técnica da sugestão" e a noção maior de sugestão p.p.d. Passado mais de uma década, vamos ouvir Freud reconciliando termos que lhe eram antagônicos. 3.2.3 - Da Transferência à Sugestão "...E nós temos que admitir que apenas abandonamos a hipnose em nossos métodos, para descobrir novamente a sugestão, agora sob a forma de transferência." (1916-17, p. 630) Já com sua teoria da libido bem desenvolvida, Freud é reconduzido de volta a Bernheim, de quem fora discípulo em Nancy em 1899. "A capacidade de irradiação da libido em direção a outra pessoa, como objeto de investimento, é uma capacidade de todos os indivíduos normais; a chamada tendência que o neurótico tem em transferir, representa, apenas, uma intensificação excepcional de uma característica universal. Seria deveras estranho se tal traço humano, pela sua universalidade, jamais tivesse sido observado e pessoa alguma nunca tivesse feito uso dele. Mas isso já foi feito. Bernheim, com sua perspicácia infalível, baseou sua teoria da manifestação hipnótica sobre a proposta de que todos os seres humanos, de alguma forma, encontram-se mais ou menos abertos à sugestão, são sugestionáveis. O que ele chamou de sugestionabilidade, nada mais é do que uma tendência à transferência." (Freud, 1916-17, p. 630) Freud vai então reconhecer a "dependência da sugestionabilidade na sexualidade e no funcionamento da libido" (p. 630) e admitir que: "...a influência da terapia psicanalítica é essencialmente fundamentada sobre a transferência, i.e., sobre sugestão..." (pp. 631-632) Freud passa a distingüir sugestão direta (mecanismo da hipnose), e sugestão indireta (sugestão no estado de vigília), "quando se pode obter os mesmos resultados da hipnose."(p. 631) "A sugestão direta incide diretamente contra as formas tomadas pelo sintoma, uma luta entre sua autoridade e as causas subjacentes à moléstia. Nessa luta, você não está preocupado com essas causas. O que se requer é que o paciente suprima suas manifestações. Em resumo, pouca diferença faz que você coloque o paciente em estado hipnótico ou não. Bernheim, com seu agudo senso lógico, dizia repetidamente que a sugestão é que era a essência da manifestação hipnótica, e que a hipnose, ela própria, já era um resultado da sugestão, era um estado de sugestão." (p. 631)’ Podemos dizer que sua teoria psicanalítica se constrói, não por oposição, mas por substituição à Hipnose, conforme nos foi sugerido pela Dra. Mônica Tolipan. Freud vai, então, utilizar a hipnose como modelo clínico de referência e, podemos mesmo perceber, que a questão da sugestão vai perpassar, de alguma forma, toda a sua obra. Em seu trabalho sobre Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921), Freud não hesita em afirmar:
        "A hipnose não se presta para uma comparação com a formação das massas porque, na verdade, ela é idêntica às propria massas." (p. 682).
      Ou, como se refere sobre outra matéria: "Um curto passo separa o estar apaixonado do estado hipnótico." (p. 682)
    Mais outro modo de produção. Mas, apesar de Freud ter construido seu campo teórico com a matéria-prima da hipnose, ou seja, a sugestão, o escopo da Psicanálise deixava de fora uma série de fenômenos observados sob estado hipnótico. O fato de não tomá-los em consideração não pode ser atribuido a um mero descaso em relação a fenômenos que ele próprio havia estudado com Charcot, Breuer, Bernheim e Liébault, tais como: a catalepsia, a letargia, o sonambulismo, etc... Além desses, os fenômenos que hoje denominamos paranormais, muitos dos quais observáveis sob hipnose, parecem ter sido "esquecidos" pela Psicanálise. Esse "esquecimento" pode nos conduzir a uma leitura da hipnose como o "recalcado da teoria psicanalítica" (palavras da Dra. Mônica Tolipan). Um recalcado que parece retornar, justamente, no "onde e quando" a Psicanálise não dá conta, como, por exemplo: no surto psicótico, nos estados autísticos, no autismo precoce infantil, na depressão profunda, etc ... No Capítulo 7 veremos o que há de comum entre o estado hipnótico, e os os estados psicóticos , como chamado a atenção por Chertok (1979, pp. 88-90), e entre o estado hipnótico e o estado autista, como desenvolvimento de tese original proposta por Mônica Tolipan (1994). Terminamos por ver um resumo sobre outros procedimentos de se sugestionar a mente, quais sejam: indução hipnótica nos estados hipnoidais e sonambúlico, sugestão através da pressão das mãos sobre a fronte do paciente, sugestão via relação transferencial com o analista, e sugestão em grupo pela idealização de um lider ou de uma idéia. Todas essas variações são formalmente distintas daquelas tratadas na seção O Cérebro e a Sugestão do Capítulo II. Entretanto, em todas elas encontra-se um processo comum, pelo qual se controla o poder de decisão de um ou mais indivíduos, bem como o acesso a efeitos ditos inconscientes ou não acessíveis diretamente pela consciência. Após o próxímo capítulo, estaremos com todos os elementos necessários à formulação do conceito de pseudoEgo, que consiste dessa nova unidade que é criada através da sugestão e que vai falar de um Outro lugar (Capítulo V).

Neurofisiologia da Hipnose

III.1 - Neurofisiologia da Hipnose
(As citações entre-aspas referem-se a apostila do Dr. Fernando Portela Câmara, relativa a aula sobre Neurofisiologia da Hipnose, 1992, ministrada no 37o Curso de Hipnose Médica da Sociedade de Hipnose Médica do Rio de Janeiro).
"A hipnose é um estado de passividade cerebral produzido por um estimulo débil, monótono, repetido e persistente, de modo a restringir o foco da atencão do indivíduo a esse estímulo, inibindo a consciência periférica. Se o indivíduo está receptivo a aceitar e entregar-se ao procedimento, mais cedo ou mais tarde ele sera hipnotizado; caso contrário nada sucederá."
O termo Hipnose (do grego Hypnos, deus do sono) foi empregado pela primeira vez por James Braid, em 1843, mas a primeira interpretação neurofisiológica da hipnose foi a de Pavlov. Para ele, seria um fenômeno análogo ao sono, um sono parcial produzido pela irradiação progressiva de uma inibição a partir de umfroco excitatório produzido no córtex, foco esse que seria o estímulo hipnótico. Chamou a este fenômeno de indução recíproca e a este foco excitatório de ponto vigil, zona de transferência ou ponto do rapport.
"Pavlov interpretava o sono fisiológico como uma inibição cortical completa sem ponto vigil, com a inibição estendendo-se para regiões sub-corticais. Sabemos hoje que não existe irradiação inibitória do córtex. Toda inibição nervosa deve-se, pelo menos, a dois focos excitados: um deles hiperpolarizando células locais (potenciais pós-sinápticos inibitórios), tornando-o refratário a propagação de estímulos nervosos provenientes de outro foco excitado (potenciais pós-sinapticos excitatórios). Já na época de Pavlov isso começava a ser demonstrado e, posteriorrnente, comprovado pela técnica dos microeletrodos."
"Pavlov condicionava a Atividade Nervosa Superior (ANS) ao córtex cerebral, exclusivamente. Conseqüentemente, consciência, sono, vigilia, hipnose e reflexos condicionados seriam fenômenos próprios do córtex cerebral, segundo uma dinâmica de excitações e inibições . Ele não estava de todo errado, e acreditava ter a prova disto na demonstração da perda dos reflexos condicionados e da capacidade de condicionamento, in vivo, no cão decorticado de Goltz (1982). Ora, acontece que o cão de Goltz tinha seu ciclo vigília/sono conservado, e também integrava as expressões somáticas e vegetativas dos estados emocionais. Desse modo, embora o córtex cerebral seja necessário para a ANS, ele não e necessário para o estabelecimento do ciclo vigília/sono, eisto implica, mais uma vez, na inexistência de irradiação inibitória cortical. Esse fenômeno também foi demonstrado em cães decorticados preparados por Bechtrew (1898) , Dusser (1920) e Rothman (1923). Schwartz & Bickford (1956) mostraram que rãs, pássaros e mamíferos decorticados não deixavam de apresentar a reação de hipnose animal (imobilidade cataléptica de um animal após ser imobilizado em uma postura antinatural)."
A teoria da irradiação cortical continuou até a década dos anos 60 (e até hoje alguns hipnologistas adotam esta teoria), e a razão para tal foi o dogmatismo promulgado pelo Congresso Pavloviano de Moscou de 1950. Era época de culto à personalidade, especialmente intenso na antiga URSS, como forma de propaganda. Esse congresso trouxe grandes contribuições das idéias de Pavlov à medicina, tais como a sonoterapia, o parto sem dor e a psicoterapia racional. Entretanto, contribuiu muito para solididicar o dogmatismo Pavloviano estabelecido por Bykov, em detrimento da ciência neurofisiológica ocidental. Bykov, médico e cientista de grandes méritos e contribuições cierntificas, estabeleceu a doutrina córtico-visceral como fundamento da ANS, negando toda a fisiologia subcortical em avanço na época. Portanto, toda teoria cortical que ainda hoje domina certos setores de Hipnose médica, são ecos deste famoso congresso. "Por esta época, Volgyesi já havia proposto uma teoria neurofisiológica para a hipnose que evidenciava a participação de estruturas subcorticais no fenômeno, e ressaltava, também, o papel do córtex frontal. Volgyesi não aceitava a irradiação cortical como fenômeno único e, em seu lugar, propos que tal inibição dever-se-ia a uma redução, temporária e reversível, do fluxo sanguíneo em determinadas áreas de cérebro. A teoria de Volgyesi não recebeu muita repercussãodevido a ascendência da teoria Pavloviana."
"O papel fundamental da base do cérebro nos processos de sono/vigilia começou a ser demonstrado com a descoberta da função primaria da formação reticular por Magoun & Moruzzi, em 1948". Já vimos no capítulo anterior (ainda não "linkado - esperem!) como a formação reticular controla o estado de vigília. "A região pontina e mesencefálica do tronco cerebral, constituida por núcleos laterais e mediais, é intrinsicamente excitatória e constituiu o "Sistema Ativador Reticular" (SAR). A porção mesencefálica envia fibras ao córtex cerebral, dando o tônus cortical necessário a atividade cerebral. Parte dessas fibras ascendentes vai diretamente ao córtex, e parte (a maioria) faz antes sinapses nos núcleos inespecíficos do tálamo. Também o SAR origina o tônus do sistema límbico e hipotálamo, possibilitando as reações emocionais e comportamentais que são deflagradas por tais sistemas na vigilia. O córtex cerebral interage com o SAR por meio de fibras corticífugas que modulam a ação deste sistema por meio de um feedback positivo."
"A porção positiva do SAR, formada pelos núcleos reticulares positivos laterais e mediais, emite fibras descen- dentes através da medula estimulando a musculatura antigravitacional, aumentando o tônus muscular em todo corpo. Também envia fibras ascendentes ao córtex, contribuindo para a vigília, além da excitação somática global. A porção bulbar da FR (núcleos centro-mediais) tem ação inibitória sobre o tônus muscular, dando relaxamento e repouso. Essa região recebe fibras do córtex e cerebelo, além de outros sinais que disparam a inibição (por essa razão, a lesão da ponte produz rigidez e descerebração)."
O SAR é o "driving" que produz o tônus cortical, sub- cortical e somático e, por sua vez, recebe sua energia decolaterais das vias sensoriais (medulares e craneanas) ascendentes, particularmente do V par (trigêmio). Estupefacientes e narcóticos excitam ou deprimem o SAR, assim como a ansiedade e a depressão. O SAR recebe excitações do córtex, musculatura motora, sistema límbico, e medula adrenal. Amortecendo o “input” sensorial, se produz relaxamento e sonolência. Por outro lado, estímulos débeis, monótonos, repetidos e persistentes focalizam a atenção do indivíduo no estímulo, inibindo a consciência periférica a outros estímulos, produzindo a hipnose. Esse fenômeno chama-se atenção seletiva e tambem está na dependência do SAR.” "A desativação do SAR amortece a atividade hipotalâmica resultando num efeito global predominantemente parassimpático; também amortece a atividade límbica, liberando memórias reprimidas e o onirismo, e a desativação do córtex pré-frontal produz os fenômenos motores e sensorais da hipnose (analgesia/híperestesia, contratura/catalepsia, redução das funções crlticas/sugestionabilidade, etc...).
Na condição de hipnotizado, o indivíduo não está na condição de sono fisiológico, pois a hipnose não ativa o sistema hipnogênico do tronco cerebral. O EEG do sujeito hipnotizado e semelhante ao da vigília relaxada (rítmo alfa, com freqüência entre 8 e 13 ciclos por segundo), e os reflexos neurológicos encontrados no indivíduo que dorme não são encontrados no sujeito hipnotizado. O estado hipnótico, contudo, apresenta dissociação, sugestionabilidade e hipermnésia, possibilitando interação com a vida interior (subjetividade) do indivíduo.
O caráter inibitório do transe hipnótico amortece a reverberação de emoções, pensamento e afetos originados da hiperexcitação do córtex pré-frontal, sistema límbico e hypotálamo, produzindo tranqüilidade e regulação dos transtornos neurovegetativos e tensão somática reflexa. Memórias de vivências passadas e suas emoções reprimidas são liberadas, permitindo a catarse das energias afetivas inconscientes que provocam a ansiedade e os sintomas psicossomáticos.
"Na indução hipnótica o sujeito confiante no operador e suficientemente motivado, focaliza sua atenção na voz do hipnotista de modo que a consciência periférica vai progressivamente se inibindo, excluindo gradualmente qualquer outro estímulo. Nessa condição, o sistema límbico e o hypotálamo são liberados de toda excitação, tal que a ansiedade, raiva, medo, etc..., são amortecidos e o sujeito entra num estado físico e psíquico denominado hipnose. A redução dos estímulos do ambiente favorece a focalização da atenção a qual, por sua vez, depende do córtex pre-frontal íntegro. Se o sujeito permanece desperto é porque teme alguma coisa ou está domasiadamente ansioso. Nesses casos não se deve proceder a indução hipnótica. Caso o indivíduo aceite ser induzido, mas mesmo assim permanece desperto, é porque seu SAR continua ativo por estar recebendo estímulo do córtex cerebral; o sujeito pensa ativamente em algo ou está fazendo alguma coisa."
Uma excitação supramaximal, seja por um estímulo sensorial, seja por uma emoção, gera um estado hipnótico com predominância do sistema simpático, produzindo descargas vegetativas violentas que, entretanto, funcionam como autoregulação. Fenômenos como amnésia, anestesia, catalepsia, alucinações, etc... , são frequentemente observados nesta forma de hipnose, como em certos cultos afros, exorcismos, movimentos de massa, etc.. Charcot utilizava procedimentos desta natureza para hipnotizar pacientes histéricos, que são difíceis de aceitar a hipnose pelos métodos convencionais. E é com Charcot que Freud vai aprender essa técnica e iniciar um processo terapêutico que viria a se transformar na Psicanálise.
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